Zona de Interesse: a normalização da maldade

POR: Maria Luiza Guidugli

Não é preciso ver para se aterrorizar

O holocausto e a crítica ao nazifascismo são temas recorrentes no Cinema, e isso não é, jamais, um problema. As diferentes histórias e analogias dentro destes temas contribui para o pensamento crítico do público, seguindo a ideia de George Santayana que “Aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”.

Zona de Interesse (2023) é mais um filme sobre nazismo, mas sob uma perspectiva diferente deste período sombrio da História. Nesta obra, dirigida por Jonathan Glazer, acompanhamos uma família de nazistas formada por Rudolf Höss (Christian Friedel), comandante de Auschwitz, sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) e seus cinco filhos, que levam uma vida normal apesar de morarem ao lado do campo de concentração de Auschwitz. Apenas um muro os divide dos horrores que eles mesmos apoiam e proporcionam.

O filme possui um ritmo lento, o que casa muito bem com o dia-a-dia estranhamente tranquilo dos moradores da casa. Planos longos nos mostram as crianças brincando, os empregados trabalhando, Hedwig cuidando do quintal cheio de flores. Além disso, os planos são bem abertos, praticamente todos dos tipos plano geral e plano conjunto, como se estivéssemos testemunhando os acontecimentos, sem poder fazer nada a respeito.

Não vemos a violência acontecer, mas a escutamos perfeitamente. Em nenhum momento somos apresentados visualmente aos mandos do comandante Höss, mas sempre é possível escutar tiros, gritos e ordens sendo dadas do outro lado do muro. No único momento do filme em que estamos dentro de Auschwitz, vemos apenas o comandante em primeiro plano lateral, em contra-plongée observando seus mandos. Ele está no controle e o enquadramento e o áudio nos mostram isso muito bem.

A casa se contrapõe com a personalidade e realidade da família. Papéis de parede estampados, mobília em tons claros, jardim amplo e florido transmitem a leveza e normalidade com que as pessoas levam a vida naquela casa. Fofocas sobre casamentos alheios ou escolher roupas que pertenciam a judias aprisionadas do outro lado do muro… É tudo a mesma coisa.

As janelas e portas sempre abertas reforçam a frieza deste estilo de vida. Além de uma iluminação que faz a casa parecer menos aconchegante para o público, mais fria, o que acontece lá fora está visível a todos. Os horrores do holocausto não são escondidos, nem mesmo das crianças, que percebemos ao longo do filme que, mesmo tão novas, já têm medo das vítimas e são indiferentes aos crimes. Está tudo ali para quem quiser ver.

Porém, nem todos na casa aceitam o que acontece em Auschwitz. Ao longo do filme, há momentos em que uma jovem espalha maçãs pelo campo de trabalho, escondendo-as na terra ou entre as ferramentas. A fotografia nesses momentos é sempre em negativo, o que causa estranheza ao espectador. Próximo ao final do filme, vemos que a menina não age sozinha, tendo ajuda de outra empregada da família. As cores são alteradas quando uma das duas está fora da casa, voltando ao normal quando entram novamente na residência, representando que são opostas à família, mas que precisam se “camuflar” naquele ambiente para não serem punidas. A babá do filho mais novo e a mãe de Hedwig também ficam horrorizadas com o que estão presenciando e vão embora da casa.

Zona de Interesse é um filme cru, que nos deixa desconfortáveis a todo o momento. É aterrorizante ver a vida sendo levada normalmente enquanto milhares de pessoas são incineradas, literalmente, do outro lado do muro. E a decisão do diretor de incluir cenas atuais do museu de Auschwitz faz esse desconforto crescer ainda mais, pois ele nos mostra a atrocidade nazista no filme e seus vestígios na vida real. A banalização da maldade é real e não podemos fechar os olhos para ela.

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