O pioneirismo de Helena Solberg em A Entrevista

Por Agnes Lara

Cena do curta ‘A entrevista — Foto: A entrevista/YouTube/Reprodução

Apesar de defender que Ana Carolina já filmava, Helena Solberg ficou conhecida como a primeira e única mulher entre os diretores do Cinema Novo no Brasil. Sua trajetória nos ajuda a compreender, num primeiro momento, sua identidade cinematográfica e o dilema que enfrentou: de seguir carreira profissional ou dedicar-se integralmente à família – questões essas muito discutidas entre as mulheres, principalmente na década de 1960, e que norteiam seu primeiro curta, A Entrevista, de 1966.

O filme inaugural de Helena Solberg investiga a condição das mulheres de classe média carioca nesse contexto. Equipada com um gravador Nagra que ela mesma operava, Solberg entrevistou 70 mulheres, entre 19 e 27 anos, que foram suas contemporâneas no ensino médio. As entrevistas abarcaram as aspirações e incertezas cultivadas por essas mulheres na época, envolvendo temas como faculdade, casamento, o significado da virgindade e submissão aos maridos. O filme nasceu de uma crise pessoal pela qual a própria diretora passava. Solberg parou de trabalhar quando se casou e teve seu primeiro filho. Porém, os papéis de dona de casa e mãe não eram suficientes para ela. Sentindo-se solitária e entediada, ela decidiu fazer um filme sobre a crise. Foi assim que A Entrevista nasceu.

O uso de representação reflexiva, a ambiguidade, a omissão de tempo, a ausência de narração em off e entrevistas assíncronas, em oposição de sentido em relação à imagem, são elementos que tornam o curta de Helena Solberg inerentemente moderno.

As entrevistas foram montadas em sobreposição às belas cenas em preto e branco que retratam uma mulher (Glória Solberg, cunhada de Helena) que se prepara para o casamento. A imagem da noiva é construída progressivamente no filme: a personagem penteia o cabelo, aplica maquiagem, veste roupas brancas e um véu. A cineasta continuaria a trabalhar com essa construção imagética em outros filmes como em Simplesmente Jenny, 1977 e The Emerging Woman (A Nova Mulher, 1974). Ao envolver essa figura, as entrevistas expressaram insatisfação, dor e dúvidas sobre o casamento. Enquanto os discursos desconstroem os conceitos de casamento romântico, pureza feminina, o papel da esposa ideal, a performance de Glória Solberg expressa, num efeito crítico, o contrário. A oposição cria uma atmosfera de repulsa, embora a divergência entre discurso e imagem estimule a leitura livre, aberta a várias interpretações. Com este curta, Solberg deu os primeiros passos para criar seu estilo único, que influenciaria trabalhos posteriores.

Nos minutos finais, Helena Solberg aparece no documentário entrevistando a noiva. Glória Solberg tira a fantasia – o véu de noiva que lhe cobria a cabeça – e responde Helena sobre a aceitação de suas próprias incoerências e ambiguidades (Glória Solberg foi a única mulher que permitiu que sua imagem fosse filmada para o documentário). A Entrevista termina com uma sequência de fotografias em preto e branco da Marcha da Família com Deus pela liberdade, ocorrido em 1964. A introdução dessas imagens ao final provoca novo incômodo. Não fica claro para o espectador qual é sua relação com o resto do filme. Possivelmente, a intenção de Solberg com a sequência final era mostrar que essas mesmas mulheres, quando tiveram a oportunidade de se manifestar politicamente, saíram às ruas para defender os interesses econômicos e políticos de seus maridos. Quando certos privilégios pareciam ameaçados, elas optaram por uma postura conservadora, embora muitas vezes seus discursos soassem modernos ao questionarem o papel da mulher no casamento.

Em entrevista realizada em fevereiro de 2005 durante a 8ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Solberg conta como foi realizar seu primeiro curta:

Aí eu fiz o meu primeiro filme, chamado A Entrevista, e que já tem um pouco essa mistura minha que eu acho interessante, e que não era uma coisa totalmente consciente, que é essa coisa de documentário e ficção misturados. Eu saí entrevistando moças da PUC, de formação burguesa como eu, sobre casamento, sexo, política. Eu andava com um Nagra pendurado no ombro, fazendo um áudio, e com esse áudio eu criei uma imagem meio que mítica sobre a mulher se preparando para o casamento. Mário Carneiro foi quem fotografou, é lindíssima a fotografia. É um filme em preto e branco de uma moça sendo vestida como em um ritual para o casamento, e, ao mesmo tempo, essas entrevistas meio que desmistificam aquela imagem, vão fazendo e costurando um comentário sobre aquilo.

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