Influência social, cultural e musical de Sobrevivendo no Inferno

POR: Victor Ennzo

Ao longo da história da música, muitos álbuns se destacaram por sua grandeza e influência e se tornaram verdadeiros divisores de água para a indústria musical. No Brasil, podemos ressaltar os álbuns “Acabou Chorare” dos Novos Baianos e “Tropicália Ou Panis et Circencis” composto por diversos artistas da época e que foi responsável por iniciar o movimento tropicália no Brasil. Porém, nenhum álbum ou movimento musical brasileiro teve o impacto social e cultural que “Sobrevivendo no Inferno” do grupo de rap Racionais Mc’s conseguiu atingir.

“Sobrevivendo no Inferno” foi lançado no ano de 1997 e ajudou a consolidar e expandir o Rap como movimento artístico e o Hip Hop como movimento cultural no Brasil. O álbum aborda temas como encarceramento em massa, genocídio, abolicionismo penal, desmilitarização da polícia, dependência química, descriminalização das drogas, entre outros. Tudo isso ilustrado por situações costumeiras do dia a dia dos moradores das periferias. Na época em que o disco foi lançado, pouco se debatia sobre esses problemas sociais, principalmente os raciais, na verdade, existia naquela época uma certa ideia de “democracia racial” popularizada pelo livro “ Casa Grande e Senzala” livro este que foi lançado em 1933 e traz perspectivas bem problemáticas acerca dos temas raciais e sociais. Uma letra muito famosa presente em uma das músicas do álbum evidencia a desigualdade racial e social no Brasil:

“60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial
A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras 
Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros
A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo
Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente”

Esse trecho é encontrado na música “Capítulo 4, Versículo 3”.

Com o lançamento de “Sobrevivendo no Inferno” tudo mudou, as letras das músicas deixavam claro que não existia e nunca havia existido uma democracia racial no Brasil, as músicas eram um verdadeiro grito de revolta que denunciava as mazelas sociais e a situação do povo brasileiro, principalmente o preto e periférico. Após o lançamento deste álbum, a população brasileira marginalizada, que é vítima do sistema capitalista e de todas as suas contradições, agora tinha a oportunidade de escutar uma obra artística que narrava diretamente o seu dia a dia, o que acabou criando uma forte conexão das pessoas que viviam aquela realidade com o movimento do rap e do Hip Hop. O álbum deixa claro as contradições do que o grupo chama de “sistema”. Esse sistema se materializa na realidade na forma do capitalismo e do neoliberalismo, ideologia dominante no final dos anos 90 até hoje.

A perspectiva de classes e de raça são extremamente importantes para o desenvolvimento da narrativa do álbum. O álbum questiona o sistema (capitalismo) e como suas configurações geram conflitos sociais como violência, abuso de
drogas, criminalidade entre outros.

Os Racionais Mc’s se tornaram o maior grupo de rap do Brasil e inspiraram toda uma geração. É difícil que algum rapper brasileiro não tenha os Racionais como uma de suas inspirações e isso só demonstra a importância e a influência que o
grupo conseguiu alcançar. Pode se dizer que existe uma sociedade brasileira antes e depois de ‘Sobrevivendo no Inferno”. Esse álbum teve o poder de reacender, expandir o debate social no Brasil e inspirar diversas outras obras culturais, consolidando uma certa estética do rap e influenciando rappers de todas as gerações, inclusive das mais recentes. Por isso, e por outros motivos citados previamente, este álbum tem um lugar de destaque na história da música e da sociedade brasileira.

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