A música na teledramaturgia brasileira

Por Gustavo Aguiar, Gustavo Fernandes, Marina Marques e Raiana Viana

Responsável por ditar tendências em diversos campos, a telenovela é um patrimônio cultural brasileiro. Um de seus principais componentes é, sem sombra de dúvidas, a trilha sonora. Quem não se lembra de Caminho das Índias ao ouvir Halo, de Beyoncé? Qual brasileiro não se recorda de Totalmente Demais ao escutar Home, de Gabrielle Aplin? Por causa da sua penetrabilidade social, é fundamental discutir a telenovela à luz de seus elementos musicais.  As composições originais, especificamente, são extremamente importantes para a dramaturgia. Falamos dos instrumentais que sustentam diversas cenas, faixas poderosas que orientam nossas emoções como espectadores, mas que muitas vezes passam despercebidas. Perguntamos, então: Como a disposição distinta de vozes, ruídos e músicas na narrativa das novelas influencia na recepção dos telespectadores?

O pioneirismo de Salatiel Coelho

Salatiel Coelho ao centro da imagem, sentado em uma cadeira.
Salatiel Coelho, o pioneiro na sonoplastia. Foto: Reprodução/Internet

Salatiel Coelho foi o primeiro sonoplasta da teledramaturgia e “criador” das trilhas musicais. Iniciou suas atividades artísticas como locutor, em comício, pelo nordeste brasileiro. Em 1948, foi para São Paulo e, depois, para o Rio de Janeiro. Nessas cidades, exerceu atividades no rádio, televisão, cinema e discos. A primeira trilha oficial, o disco de 1965 é uma sequência de temas que serviram de trilhas para as primeiras telenovelas. A ideia de juntar as músicas em um único disco temático deu tão certo que a experiência originou a Som Livre, que vende, até hoje, as trilhas sonoras da Globo. O locutor, sonoplasta, produtor musical de rádio e televisão começou experimentar músicas cantadas em produções como Os Rebeldes, com a canção Não Vem Que Não Tem, na voz de Wilson Simonal. A partir daí, Salatiel Coelho deu início à associação que permanece entre personagens, ações e sons e músicas característicos com Beto Rockfeller (1968). Para selecionar as músicas e produzir a trilha sonora da teledramaturgia brasileira, foi criado o cargo de diretor musical, que Salatiel ocupou não apenas no Brasil, como também na Itália e em Portugal, onde recebia discos e seleciona quais sucessos seriam reproduzidos nas telenovelas.

Eduardo Queiroz

Novelas globais
As novelas que contaram com o som de Eduardo Queiroz. Foto: Reprodução/Internet

Para o compositor e produtor musical brasileiro Eduardo Queiroz, um tema musical para TV ou cinema deve sempre procurar intensificar a experiência do espectador. Residente em Portugal e já acostumado à composição para TV desde sua estreia em 2010 com a série A Cura, Eduardo começou sua carreira no cinema, tendo composto músicas para filmes como Bellini e a Esfinge, de 2001. Sua estreia para a TV foi a partir de um convite do autor João Emanuel Carneiro, com quem firmou parceria que perdura até os trabalhos mais recentes do autor. Dentre suas composições mais marcantes com Carneiro, figura Ameaças, o tenso tema dos encontros entre Nina e Carminha em Avenida Brasil, de 2012.

Em sua novela seguinte, João Emanuel Carneiro repetiu a parceria com Eduardo Queiroz. O instrumental de A Regra do Jogo (2015) foi emblemático e uma faixa específica teve grande repercussão: o Tango de Atena, que embalava a presença da personagem de Giovanna Antonelli. O “tango” é algo comum de João Emanuel para suas vilãs, e com Atena não poderia ser diferente.

João Paulo Mendonça

João Paulo Mendonça e orquestra
João Paulo Mendonça sonoplasta de algumas obras da Rede Globo. Foto: Reprodução/Internet

Para o músico João Paulo Mendonça, o audiovisual tem uma divisão de três pilares imprescindíveis: 1/3 para a direção; 1/3 para o texto e 1/3 para o argumento musical. Na Rede Globo, o compositor trabalhou em obras como Bang Bang, A Grande Família, Dona Flor e Seus Dois Maridos e Fina Estampa. Em 2015, executou um de seus maiores trabalhos: a densa, urbana e enigmática trilha sonora de Verdades Secretas, influenciada pelo artista sonoro dinamarquês Jacob Kirkegaard.

Em O Outro Lado do Paraíso (2017 – 2018), João Paulo Mendonça repetiu a parceria de 2015 com Walcyr Carrasco e o diretor Mauro Mendonça Filho. Dessa vez, a trama não era ambientada em um turbulento centro urbano, mas no Jalapão, no interior do Tocantins. Suas composições, portanto, assumiram instrumentos e composições que remetem à vida interiorana do centro-oeste brasileiro, aliada à forte melancolia que marcou a primeira fase da novela.

Tim Rescala

Tim Rescala com rolo de película.
Tim Rescala criador, em conjunto com Luiz Fernando Carvalho, da trilha sonora de Velho Chico. Foto: Reprodução/Internet

Filho de músicos, Tim Rescala é ator e ficou conhecido por Capilé Sorriso, seu papel na Escolinha do Professor Raimundo. Sua carreira de compositor na TV é marcada por parcerias com o diretor Luiz Fernando Carvalho, com quem trabalhou em obras como Hoje é Dia de Maria e Capitu. Dentre os trabalhos mais recentes da parceria entre os dois, está a ímpar e emblemática trilha sonora de Meu Pedacinho de Chão, de Benedito Ruy Barbosa. Música: Alegria no Vilarejo, de Tim Rescala e Esperança e Luta, de Tim Rescala. Um outro recente trabalho de sucesso de Tim com Luiz Fernando Carvalho é a trilha sonora de Velho Chico, exibida em 2016, e também de Benedito Ruy Barbosa. Para esse trabalho, Rescala se inspirou principalmente em nomes da música clássica brasileira nacionalista, como Guerra-Peixe e Villa-Lobos.

É inegável o poder da música como catalisador narrativo. No melodrama impregnado nas telenovelas brasileiras, é possível dizer que ela é ferramenta imprescindível para a manipulação emocional do vasto público consumidor.

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