Análise do curta “Estás vendo coisas”

Um curta experimental que aborda os bastidores da criação artística e desconstrói a glamorização em torno do ofício.

Por Lucas de Andrade Moreira

O curta Estás vendo coisas, dirigido por Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, começa com um plano que mostra dois personagens em meio a um palco com luzes neon e fumaça. Em seguida, uma fusão revela um canhão de luz piscando ao som de uma música frenética. Nessa breve sequência inicial, o filme já́ adianta seu tema: o universo da música brega funk. Porém, a obra subverte expectativas e muda sua perspectiva de abordagem. O curta se apresenta, na verdade, como um ensaio metalinguístico sobre a vida e o trabalho na produção artística. A música frenética dá lugar a um ritmo compassado; o show de neon e fumaça é substituído por um estúdio de gravação.

O curta intercala planos em locais abertos e fechados, retratando as gravações de clipes de brega e os artistas se arrumando no camarim. O que chama a atenção é a monotonia que orbita aquilo que nos é apresentado. Destaca-se a imobilidade das equipes de filmagem nas gravações dos clipes, a vagarosidade dos movimentos dos artistas no camarim, e principalmente, as feições cansadas das personagens ao final das tomadas de gravação, que mostram pessoas encarando a vocação artística como trabalho. Ressalta-se que no ofício artístico, seja ele qual for, também há chateação e suor. O filme desconstrói a glamorizarão em torno do trabalho artístico.

Ao longo do curta somos apresentados a dois personagens que possuem um tempo de tela maior que os outros. São eles um homem tatuado com um moicano e uma mulher loira com aparelho nos dentes. Eles não trabalham em tempo integral com a música, ficando claro, por exemplo, quando a mulher performa vestindo um uniforme dos bombeiros, ou quando escutamos a propaganda da barbearia do homem no rádio, enquanto ele se arruma em seu camarim. Evidencia-se a variedade de pessoas cujas vidas são atravessadas pela arte e como conciliar diferentes atividades laborais pode ser difícil e desgastante.

Em suas duas últimas sequências, observamos a cantora-bombeira em um plano fora do estúdio. Ela sobe em um caminhão após deixar as gravações rapidamente, esboçando uma feição cansada e aborrecida. Veste o uniforme de trabalho por cima da sua roupa de cantora brega, representado a árdua conciliação entre as duas metades de sua vida. Porém, ao sentir o vento batendo em sua face, ela sorri. Por mais que a labuta dupla seja exigente, ela parece se sentir realizada por gostar daquilo que faz.

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