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Filtros embelezadores e aplicativos de pós-produção afetam a autoestima

Perseguir a imagem perfeita afeta saúde mental

Filtros embelezadores e aplicativos de pós-produção afetam a autoestima e podem causar transtornos psicológicos

Os filtros ganharam popularidade pela primeira vez com o estouro do aplicativo Snapchat. Os efeitos que suavizavam a pele e acrescentavam orelhas de cachorro nos usuários logo foram aprimorados e incorporados ao Instagram e, mais recentemente, ao TikTok. Na galeria de efeitos do app de Zuckerberg já existem as categorias ‘aparência’ e ‘selfies’ onde podem ser encontrados inúmeros filtros que afinam o rosto e o nariz, aumentam os olhos e a boca e deixam a pele perfeita.

Filtros embelezadores e aplicativos de pós-produção afetam a autoestima
Imagem ilustra antes e depois da aplicação de filtro embelezador. Na primeira metade da foto, uma mulher de olhos castanhos, lábios médios e pele com acne. Na segunda metade, a mesma mulher espelhada de olhos verdes, lábios grandes e pele sem acne.

Nesse contexto, imagens surreais viram referência de beleza e afetam a autoestima dos usuários. Para a psicóloga Rogéria Taragano, isso resulta do consumo exagerado dessas imagens, especialmente entre jovens, e tem se acentuado durante a pandemia. “Se pensarmos na pandemia isso obviamente se acentuou demasiadamente pela duração do confinamento no Brasil. Tudo foi para as telas e as outras formas de interação e vivência ficaram muito restritas”, explica.

Ela também afirma que para algumas pessoas a percepção ou o sentimento é de que aquelas imagens são a realidade e que a perfeição existe e deve ser buscada a qualquer custo. “Isso revela uma dificuldade de entrar em contato com as próprias imperfeições e de aceitá-las como algo natural e humano”, analisa.

No entanto, a psicóloga faz ressalvas: “Outras pessoas já estão mais atentas, críticas e sabem que tais imagens são fruto de muita manipulação”, contrapõe. Nesse sentido, percebe-se um movimento contrário, que rejeita essas modificações e coloca luz sobre imagens manipuladas.

A ditadura da beleza e a autoestima

Rogéria Taragano explica que a Ditadura da Beleza é uma ideologia que difunde um padrão único de beleza, o que contribui para que aqueles que não se encaixam sintam que têm algo de errado, que precisa ser consertado. Essa perseguição da imagem perfeita e a superexposição às redes, em casos extremos, pode levar ao desenvolvimento de transtornos psíquicos.

Para a psicóloga, essa busca não apareceu com a internet, mas foi potencializada por ela, levando a exageros que não são saudáveis. “Esta ideologia movimenta indústrias superpoderosas em várias áreas e potencializa muitos problemas emocionais e transtornos importantes como o dismórfico corporal e os alimentares, tais como anorexia e bulimia nervosas e compulsão alimentar.”

Nesse sentido, ela alerta para a busca excessiva por procedimentos estéticos. “É importante lembrar que parte significativa das pessoas que buscam incessantemente por intervenções desse tipo pode ter  transtorno dismórfico corporal e, ao invés de constantes cirurgias, seriam mais beneficiadas por acompanhamento psicológico e psiquiátrico adequados”, comenta.

Por outro lado, ela também percebe a busca por uma imagem perfeita como uma necessidade de aprovação. “Em paralelo, percebe-se uma tentativa de projetar, através de uma profusão de selfies, a imagem de alguém ou de um personagem que leva uma vida igualmente glamourosa e perfeita”, afirma.

Impacto nas mulheres e racismo

Segundo a psicóloga, o impacto dessa realidade em mulheres e meninas é mais acentuado. Para ela, isso se dá pela construção social da mulher, que enfatiza a perfeição da imagem feminina como atributo de valor. “Historicamente, sabemos que a imagem da mulher sempre foi mais estereotipada e explorada de inúmeras maneiras, inclusive, comercialmente”, explica.

Recentemente, após ter foto sem edição vazada na web, a socialite estadunidense Khloé Kardashian fez desabafo que expõe cobrança pela perfeição. “É quase insuportável tentar viver de acordo com os padrões impossíveis que o público estabeleceu para mim”, diz em post no Twitter.

Além disso, filtros do Instagram e aplicativos embelezadores expõem padrão de beleza racista. Efeitos como ‘hollywood’ e ‘estrela’ do FaceApp, que utiliza inteligência artificial para transformar fotos, branqueiam o rosto e afinam o nariz.

Leia: Racismo algorítmico: o preconceito na programação

Filtros embelezadores e aplicativos de pós-produção afetam a autoestima e expõem racismo
Imagem compara foto de Michelle Obama antes e depois da aplicação do filtro “hollywood” do aplicativo FaceApp. É possível perceber um leve clareamento da pele da mulher negra após a aplicação do filtro.

Saiba mais: Aplicativo FaceApp ‘branqueia’ os usuários para torná-los “mais sexy”

Leia também: O que procedimentos estéticos e cirurgias plásticas dizem sobre racismo no Brasil? Uma psicóloga e uma cirurgiã respondem

Busca por cirurgias plásticas

Essa nova tendência das selfies e dos filtros embelezadores também já chegou aos consultórios de cirurgiões plásticos. O cirurgião plástico Wendell Uguetto conta que pedidos de pacientes para ficar mais parecidos com suas selfies com filtro já são uma realidade, mas critica movimento. “Na grande maioria das vezes é impossível você transformar um paciente no filtro”, argumenta.

Logo no início deste ano uma manchete comoveu internautas, Influenciadora Liliane Amorim morre por complicações de lipoaspiração. Diante de situações como esta, ele também reafirma a posição da psicóloga ao pontuar que essa busca por se tornar igual as selfies pode trazer prejuízos psicológicos e lembra que nenhuma cirurgia é isenta de riscos. “Antes de mais nada, a gente precisa se aceitar, até porque uma cirurgia plástica, como qualquer outra, não é isenta de riscos e nem de complicações”, pontua.

“Quando o procedimento é feito com discernimento, de uma forma pontual, você tem todo o direito de mudar, mas o que tem acontecido é problemático. As pessoas quererem algo intangível” (Wendell Uguetto)

Padrões de beleza incompatíveis com a vida

Muitas crianças crescem rodeadas por bonecas Barbie e anseiam a aparência do brinquedo. No entanto, infográfico da Rehabs mostra que o corpo da boneca é inalcançável na vida real. Com um pescoço duas vezes mais longo e 15 centímetros mais fino do que o de uma mulher comum, a Barbie seria incapaz de levantar a sua cabeça. Além disso, com uma cintura de 40 centímetros (menor do que a sua cabeça), ela só teria espaço para metade de um rim e alguns centímetros de intestino, descreve o infográfico.

Na realidade das mídias sociais, pouca coisa muda. Filtros e pós-produções transformam pessoas reais em versões de si mesmas impossíveis fora das telas. Segundo o cirurgião plástico, para atingir a aparência das selfies com filtros, seria preciso mexer na estrutura óssea da face, o que vai além do que qualquer procedimento estético é capaz de fazer.

“O filtro é um programa computadorizado baseado em um cálculo matemático que vai mudar as proporções do rosto, às vezes ósseas, de canto de olho, da boca, do nariz baseado em um padrão que a gente considera bonito. Esse padrão não é só o caucasiano, mas um padrão de beleza que rege o mundo, o cálculo matemático de Fibonacci ”, explica.

Sequência de Fibonacci

A sequência de Fibonacci é uma progressão matemática que foi descoberta pelo matemático Leonardo de Pisa. Essa sequência ficou muito conhecida por suas propriedades e relações com a natureza e por guardar em si, uma proporção áurea. A Espiral de Fibonacci, construída com os números dessa sequência, é encontrada em galáxias, conchas de caramujos e serve de referência no mundo estético. 

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É possível fugir da ditadura da beleza?

Para a psicóloga Rogéria Taragano, não existe uma resposta única para essa pergunta, mas consumir menos conteúdo sem critério e aumentar a conscientização sobre seus efeitos nocivos podem ajudar.

Além disso, no caso das cirurgias plásticas, ela considera uma boa ideia o acompanhamento psicológico do paciente que busca o procedimento. “Acho que isso pode tornar o processo mais adequado, pois sabemos que pacientes com transtorno dismórfico corporal passam muitos anos em sofrimento, sem buscar a ajuda adequada por vergonha e continuam infelizes após inúmeras intervenções cirúrgicas, visto que o problema não é de natureza estética”, alerta.

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Sarah Rabelo

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