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Moda para todos os corpos

Como a trajetória limitadora do mercado da moda influenciou movimentos de representatividade e inclusão, que estão mudando o cenário atual

Que a moda está presente na vida de todos, isto é fato. Mas você já pensou nos motivos que levaram a moda a ter um papel de destaque na construção da sociedade? A palavra moda vem do latim modus, que significa costumes, maneira ou comportamento, e está totalmente associada à forma como nos apresentamos ao mundo. Ela é peça chave para a construção da nossa personalidade e suas noções abrangem muito além do vestuário, estando estreitamente relacionada com identidade e pertencimento. 

A partir dessa premissa, é importante ressaltar como, em determinado momento da história, a indústria fashion excluiu diversos grupos desse segmento. Durante anos, indivíduos considerados plus size, por exemplo, foram totalmente ignorados, taxados como fora do padrão, enquanto tentavam se adequar, se esconder e se encaixar na moda para se sentir inseridos na sociedade. 

Traduzido do inglês, plus size, significa “tamanho maior”. São definidos como plus size tamanhos que vestem a partir do manequim 46. O mercado da moda para pessoas grandes surgiu porque as peças convencionais não atendiam a esses corpos e os excluía cada vez mais, especialmente as mulheres, o que é alarmante. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), existem 2,3 bilhões de pessoas com sobrepeso ou obesidade no mundo. 

Padrões de beleza impostos historicamente

Mas você já imaginou de onde surgiram esses padrões de beleza? De acordo com um artigo publicado pelo blog “We Are Human” as épocas que mais se destacam são os anos 1940/1950 com os astros de Hollywood, mais especificamente, a atriz Marilyn Monroe, que foi uma das principais referências para instituir os padrões de beleza na época. Chamava atenção por sua sensualidade e corpo cheio de curvas – no entanto, vale ressaltar que, nos dias atuais, ela seria considerada fora dos padrões. 

Já nos anos 1990, surgiram as top models Kate Moss e Gisele Bündchen, definindo de vez o que era ser sexy, exibindo corpos com 66cm de cintura, 92cm de quadril, vestindo manequim 36 com rostos marcantes, altas e magras. Elas se tornaram referência no ramo, mistificando cada vez mais o que é ser belo em associação ao que é magro.

Marilyn Monroe, 1954
Foto: Murray Garrett/Getty Images

No Brasil, os estigmas relacionados à beleza se consolidaram com o surgimento das rainhas de bateria nas escolas de samba na década de 70, (We are Human)  que se apresentavam com roupas que cobriam só o necessário, e exibindo corpos bronzeados e definidos. 

Nos anos 90, surge a Globeleza, uma passista nua com o corpo parcialmente pintado,  coberta por purpurina, que sambava ao som de uma vinheta da Rede Globo de Televisão. Mais uma vez, a mulher magra é colocada como referência de beleza e idealização de corpo perfeito. Outro ponto a ser assinalado é a respeito da hipersexualização do corpo negro no Brasil. No livro “Casa-grande & senzala” de Gilberto Freyre, conta que no Brasil Imperial havia o ditado popular: “Branca para casar, mulata para fornicar e negra para trabalhar”. Essa declaração revela o pensamento machista de que a mulher e seu corpo são vistas como objetos.

Para a jornalista, mestra em comunicação e pesquisadora Mayra Bernardes, esses fatores ainda são reproduzidos na sociedade, uma vez que, no período colonial, as pessoas negras eram vistas como objetos de trabalho, por isso, mulheres e homens negros eram valorizados pelo seu vigor “sexual” e físico: “Uma das formas de mostrar isso era despindo esses corpos e besuntando-os de óleo para que  parecessem brilhantes e “novos”. Ao longo do tempo, essa forma representativa foi sendo reproduzida, e, nos dias de hoje, vemos que alguns personagens, como a Globeleza, são retratados dessa mesma forma, e fazem alusão a esse período”.

Reprodução: Rede Globo/Erika Moura, Globeleza 2016

Desafios de estar fora do padrão

A modelo plus size, atriz e apresentadora de 27 anos Jojo Vieira, explica os desafios de ser uma mulher fora dos padrões: “É difícil entrar em uma calça jeans confortável quando estão querendo nos enfiar o manequim 36 goela abaixo, imagina entrar no mundo da moda. Infelizmente, nas oportunidades que tenho, é perceptível que o interesse maior das empresas é no mercado, é sobre um produto a ser consumido. Nossos corpos e necessidades não são levados em conta, e eu acabo me tornando um produto”.

Jojo Vieira
Reprodução Instagram

A designer e figurinista Camila Duarte, que é dona de uma marca de lingeries, afirma que para que a moda seja mais democrática é necessário incentivar e cobrar as empresas que sejam cada vez mais inclusivas em seus catálogos de tamanhos: “E que exista representatividade em suas campanhas e que tenham mais consciência social nos meios de produção e reprodução das suas peças, sendo penalizados caso haja o descumprimento disso”, defende. No Instagram de sua marca, ela procura publicar fotos de mulheres com corpos diversos, que fogem dos estereótipos daqueles considerados pelos “padrões de beleza”.

Já a mineira Georgia Brant, que empreende na moda em Belo Horizonte, ao ser questionada sobre fatores que foram fundamentais para a exclusão dessa classe no mercado da moda destaca que por muito tempo as informações de moda foram vinculadas apenas a um tipo de mídia: “As revistas, na maioria das vezes, era como se apenas um olhar fosse detentor de toda imagem do que era moda, com intuito de manter as pessoas naquele padrão fazendo com que consumissem o que fosse imposto”.

Segundo ela, o mercado deve, cada vez mais, estar atento às mudanças e abraçar as pluralidades: “O mercado publicitário deve olhar para as novas comunicações, para os novos comportamentos com novos olhares para não se tornar algo obsoleto”, disse Georgia Brant ao analisar o mercado publicitário no Brasil.

Muitos padrões reproduzidos são idealizações feitas por homens brancos e héteros da indústria da moda, já que são eles que, na maioria das vezes, estão à frente das revistas, dos desfiles e das presidências das grandes marcas. Em entrevista à Vogue americana, o empresário e diretor de marketing da Victoria’s Secret, Ed Rezek, ao ser questionado sobre diversidade nos desfiles, declarou: “Modelos transgênero e plus size não teriam lugar nos desfiles atuais da Victoria’s Secret porque os shows são uma fantasia”. Apesar da chuva de críticas sobre Rezek e pedidos para que fosse demitido, apenas um pedido de desculpas foi emitido em seu nome. 

Novos tempos

Segundo relatório do The Fashion Spot, que analisa dados das modelos nas semanas da moda, a temporada de outono-inverno em 2020 trouxe 37 modelos plus size no evento, em Milão. As pioneiras foram Jill Kortleve, Alva Claire e Precious Lee, que desfilaram para a marca italiana VERSACE. Estes dados mostram que, muito do que é reproduzido como moda e estilo, são tendências ditadas pelas semanas da moda no exterior. 

No Brasil, temos a modelo catarinense Raphaella Tratske,  jovem de manequim 46, que reúne em seu currículo trabalhos para marcas como Riachuelo, Água de Coco, O Boticário e Hering.

Raphaella Tratske
Reprodução Instagram

O segmento está mudando, mas ainda há um longo caminho a ser traçado. Jojo afirma que para que o mercado seja inclusivo e represente a todos: “é necessário que a sociedade se informe, se conheça melhor, aceite as diferenças e lute por um mundo mais justo. Eu me amo, me acho linda, inteligente e uma mulher forte. Acho que o que precisa é menos imposição. Precisamos nos cuidar mais, começar a exigir que nossas necessidades sejam atendidas.”

Em termos de visibilidade, ganhos consideráveis na indústria da moda vieram quando a cantora/compositora e empresária Rihanna, em 2017, trouxe ao mundo sua primeira coleção: a “Savage x Fenty”, com a pretensão de fazer com que todas as mulheres se sentissem bonitas e empoderadas em seus corpos. A principal proposta da marca é trazer pluralidade e representatividade a quem usa suas peças. A presença de homens magros e gordos, mulheres trans e todos os tipos de corpos, transformou a Savage em um marco quando o assunto é diversidade na moda.

Savage X Fenty
Reprodução Instagram

Representatividade importa 

A forma como nos vestimos é a maneira como nos identificamos ao mundo e como o mundo nos vê. No cenário atual, as coisas vêm mudando e podemos citar a marca Calvin Klein, que trouxe a modelo americana negra, transsexual e plus size Jari Jones, para estampar uma das suas campanhas. 

Jari Jones
Reprodução Instagram

No Brasil, o número de lojas e marcas que atendem esse público ainda é baixo, mas podemos citar algumas que vem fazendo a diferença, como: Chica Bolacha, Oh Querida, Flaminga, Maria Abacaxita, Best Size Melinde Brasil e Loja Mulherão.

À vista disso, o ideal seria que não existissem categorias para definir tamanhos ou manequins e sim, simplesmente roupas para que todos sejam livres para vestir o que quiserem, e que seus corpos sejam contemplados. 

“Não há muitas mulheres que falam sobre suas imperfeições como eu, e fico feliz por poder ser a voz que lhes diz ser normal ter celulite. Pensem e falem abertamente sobre seus corpos e nunca se comparem a ninguém, não há tamanho certo ou errado. Todos temos constituições físicas diferentes e isso é uma coisa boa. Celebrem e aceitem nossas diferenças”, escreveu em uma publicação no Instagram a modelo plus size americana Ashley Graham, que já estampou capas de revistas como Vogue, Elle e Harper ‘s Bazaar.

Luiz Fernandes

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