A história contada pela arquitetura de “Parasita” (2019)

POR: Sara Lima

O filme Parasita (2019), dirigido por Bong Joon-ho, conta a história da família de Ki-taek. Todos estão desempregados, vivendo em um porão. Seu filho, Ki-woo, começa a dar aulas de inglês para uma garota de família rica. Fascinados com a vida luxuosa destas pessoas, pai, mãe e filhos bolam um plano para se infiltrar na abastada família, um a um. No entanto, os segredos e mentiras necessárias à ascensão social cobram seu preço.

Ao longo da obra, podemos perceber o incrível papel que a arquitetura tem na narrativa do filme e como ela ajuda a contar a história, desde o princípio. A primeira cena nos mostra a casa dos Kim, um covil, praticamente subterrâneo, apertado, sujo e com apenas uma janela que se abre para o nível da rua, o que também representa onde eles se encontram na pirâmide social. Pouco tempo depois dessa introdução, nos é apresentado um grande contraste, um âmbito completamente diferente do anteriormente exposto, em todos os sentidos possíveis. A mansão da família Park, criada por um renomado arquiteto, Namgoong Hyeonja, com um visual completamente limpo, artístico e amplo, com várias janelas. Essa é a primeira dica que a audiência tem sobre os personagens, antes mesmo de qualquer interação entre as duas famílias podemos ver as diferenças das suas realidades. Materializam a desigualdade por meio da arquitetura.

Os níveis foram muito utilizados na obra, não só sociais como também dos próprios sets. Conforme mencionado, a casa da família Kim é praticamente subterrânea, tanto na condição social, quanto no lugar onde vivem, e a única visão que eles têm é no nível do chão, a não ser pelo vaso sanitário, “trono” que por ser elevado fica quase rente ao teto. Pode ser considerado o lugar mais importante da casa, simbolicamente, já que é a única área que eles conseguem usar o wi-fi.  A casa dos ricos, no entanto, conta com uma grande janela que tem a visão de seu belo e verde jardim, o que mais uma vez explora as diferentes visões que ambas famílias têm do mundo, o que pode ser evidenciado novamente quando a Sra. Park encontra felicidade na chuva que quase deixou os Kim desabrigados. O fator de choque do filme também brinca com os níveis e janelas, já que a maior fúria vista na produção vem do morador do bunker da mansão, que está no nível mais baixo de todos, vivendo numa “casa” pobre, sem janela, dentro de um casarão, como um parasita, há quatro anos.

Os diferentes níveis também são constantemente explorados por meio da utilização de escadas; para entrar na mansão dos Park é necessário subir uma enorme escadaria, pois a residência está localizada em uma ladeira. Para ir do bunker até a casa existe uma grande escada, enquanto os Kim moram no fim de uma série de degraus.

A arquitetura (juntamente com a direção de fotografia) continua ajudando a contar a história ao longo do filme, as linhas que são presentes na casa sempre estão separando os ricos dos pobres, deixando mais claro os momentos em que os menos afortunados superam esse limite. Um exemplo simples é quando a primeira governanta da casa ultrapassa essa linha para bater palma e acordar sua patroa, as linhas se fazem presente em todas as conversas à mesa, sempre existe algo separando os empregados dos empregadores, seja a linha da geladeira ou a linha da porta quando Jung e Woo estão sentados em frente à Kyo. Quando o filho da família Kim recebe a oportunidade de virar tutor de uma Park a casa lhe é apresentada por meio da escada, e sua patroa vai liderando o caminho, os dois ficam divididos por uma pilastra, o membro da família Park nos degraus mais altos e o membro da família Kim no lugar oposto. As linhas são até incluídas em um dos diálogos, no qual Park Dong-ik fala “De todo jeito, mesmo que sempre pareça que ele (Ki-taek) está prestes a cruzar a linha, ele nunca cruza. Isso é bom. Eu lhe darei o crédito. Mas aquele cheiro (dele) cruza a linha.” O momento em que o personagem finalmente cruza a linha é quando percebe a aversão que seu patrão tem em relação ao que seria o “cheiro dos pobres”, e tudo muda.

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