“Retratos Fantasmas”: transformação e memória

POR: Camila Freesz

“A cidade se transforma a cada ano, isso é certo.” – Kleber Mendonça Filho

“Retratos Fantasmas”, documentário de Kleber Mendonça Filho, é uma demonstração de respeito e de admiração à cidade de Recife. É uma construção afetiva da história, contada, com uso de voice-over, por meio das linguagens fotográfica e cinematográfica, e dividida em 3 partes.

Kleber inicia a obra falando de sua mãe, historiadora, e da compra do apartamento em que morou. Ele diz que o local foi modificado por ela, por seu irmão, arquiteto, e, indiretamente, pelos vizinhos. Para retratar essas mudanças, ele utiliza, entre várias ferramentas, gravações próprias. Dessa forma, está demonstrando suas memórias fabricadas naquele espaço físico.

Na segunda parte, Kleber direciona o seu “olhar” aos cinemas de rua e, a partir deles, traduz parte da história da cidade. Cita, por exemplo, a presença nazista e, depois, militar naqueles ambientes. Nesse segmento, o espectador é apresentado a Alexandre, operador de projetor cinematográfico de uma das salas mostradas, e suas cenas são algumas das melhores de todo o documentário. Além dele, o cineasta faz referência a outros trabalhadores, o que cria uma atmosfera íntima e, de certa maneira, homenageia aqueles que contribuíram para a história desses cinemas, da cidade e, consequentemente, dele mesmo.

Ainda nessa seção, Kleber expõe a situação da zona central de Recife, onde se localizava a maioria das salas. Abandonado devido ao deslocamento da área de maior fluxo monetário, o centro atual e os cinemas de rua são, pela interpretação do filme, invisíveis. O documentário se monta com arquivos e filmagens de antigamente e do que sobrou, a fim de apontar as mudanças espaciais – similarmente ao que ocorreu no apartamento do início – e, indiretamente, relembrar o público das lembranças que aqueles lugares guardam.

Em uma cena específica, o diretor exibe uma foto com um vulto e diz que não o reconhece, logo, seria uma fotografia de fantasma. Assim, em conversa com o título, poder-se-ia inferir que os cinemas retratados ao longo da obra se transformaram em algo sobrenatural, em uma lenda? Invisíveis para a maioria, assombrados e abandonados pelo curso do tempo e da história. E se locais somem, por que não indivíduos? Quem conserva e preserva nossas memórias? A arte, a cultura, a arquitetura, o cinema, as pessoas. Essas foram as reflexões instigadas em mim pelas imagens escolhidas por Kleber e sua equipe.

“Retratos Fantasmas” foi uma experiência de mergulho pessoal, de curiosidade e de provocação, a qual me deixou admirada pelo trabalho de pesquisa e inclinada a buscar saber o mesmo com os cinemas que fazem parte das minhas memórias.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *