Narrativa em abismo

 

Por Letícia Santos Góis

Como a maioria das realizações da produtora mineira Filmes de Plástico, “Quintal” – 2015 é um filme indagador. Por apresentar vários elementos já conhecidos em tela como, personagens, locações e cenografia, os filmes contextualizam, mas suas temáticas desconcertam. No filme de André Novais essa lógica se repete e pela minha experiência com tais produções é a que mais deixa o espectador com sensações de lacunas e perspectivas desconexas. O filme deixa a impressão de que seu sentido ocorrerá apenas pela interpretação do espectador, uma vez que as intenções de Novais com o enredo da história parecem difusas. Uma narrativa construída em abismo. Muitas questões são abertas e nenhuma possui explicação aparente ou se quer subentendida nas imagens: é como se tudo fosse uma realização de um desejo imagético do diretor ou até mesmo um sonho que virou filme. É possível dizer apenas das impressões que tivemos ao assistir, mas sem nenhuma comprovação de que algo estará explícito na tela ou até mesmo na intenção da obra. Um dos aspectos que pode ligar a narrativa e que fica claro na perspectiva dessa espectadora é a questão do ritmo, da distância e do estágio da velhice.

O filme apresenta um ritmo lento em seu início, causado tanto pela montagem como pelas imagens de uma vida caseira de um casal idoso em seu cotidiano na velhice. A relação desse casal causa estranhamento e sugere distância, havendo pouco diálogo e quase nenhuma cena em que dividem o mesmo cômodo ou plano. Cada um exerce suas atividades separadamente. A trama se desenvolve de forma totalmente figurativa e as camadas se misturam de uma forma brusca, colocando o espectador de frente a um abismo, uma narrativa que não parece significar nada além de um mosaico imagético.  Após uma ventania repentina, um portal se abre aleatoriamente no quintal da casa desses dois idosos… a mulher recebe um ligação suspeita de um político famoso por escândalo de corrupção… o homem que se ocupava de assistir filme pornô não pensa duas vezes antes de entrar no portal desconhecido em seu quintal… a esposa não dá falta do marido e vive sua rotina como se nada houvesse… o homem retorna para casa depois de um tempo desconhecido e beija sua mulher na boca… um projeto de mestrado sobre pornografia é escrito e apresentado por esse mesmo homem idoso…

O que faria um homem entrar em uma força totalmente desconhecida presente em seu quintal? Por que uma mulher idosa recebe uma ligação de um político corrupto?  Por que um homem idoso escreveria uma dissertação de mestrado sobre bundas e óleos? A narrativa é desconexa, as imagens e os acontecimentos parecem dados como se o filme dissesse ao espectador: “ lide com isso”. Tentando lidar com os fatos e ligar os pontos, o filme parece ser a ilustração do sentimento de monotonia do estágio de “pós vida” de pais e mães, que já não tem o que fazer em seu cotidiano, não tem mais os filhos para criar ou rotina de trabalho para encarar. Assim, acham ocupações que não fazem sentido, mas causam movimento em sua vida e abertura para outras possibilidades, viagens para outras dimensões. Então, uma mulher idosa se envolve em uma situação criminosa com um político e resolve fazer uma sociedade com um dono de academia e um homem idoso realiza uma pesquisa de mestrado sobre o filme pornô esquecido pelos filhos no quartinho dos fundos de sua casa para que suas vidas ganhem outros significados, sentidos ou sabores.

 

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