La Haine: Uma manifestação social

POR: Ana Clara Ribeiro

Baseado em uma narrativa não-ficcional, “La Haine” é um longa que se caracteriza por criticar e denunciar violências e injustiças sociais, como a descriminação social vivida por comunidades pobres e pela população não-branca, com uma perspectiva voltada para a violência policial, que está presente na realidade de grupos marginalizados. Dirigido por Mathieu Kassovitz, a obra deu voz e destaque àqueles que não as tinham e, mesmo que lançada em 1995, se tornou um clássico que enfatiza tópicos importantes e necessários até os dias atuais.

“É a história de uma sociedade que cai, e durante sua queda
continua a repetir para si mesma:
‘até aqui, tudo bem…até aqui, tudo bem…até aqui, tudo bem…’.
Mas o importante não é a queda, é a aterrissagem.”
La Haine, 1995

No dia 6 de abril de 1993, o inspetor Pascal Compain assassinou o jovem zairense Makomé M’Bowole, que estava em custódia no 18° arrondissement de Paris. A injustiça ocasionou inúmeros protestos pela cidade. Kassovitz utilizou dessa realidade para retratar o cenário que estava sendo vivido no país e, com isso, transformou o filme em uma forma de manifestação.

Os primeiros minutos do longa exibem imagens factuais de manifestações que aconteciam por toda Paris após o assassinato de M’Bowole. Ao som da música Burning and looting, de Bob Marley, as cenas expõem a brutalidade e repressão dos policiais contra os jovens manifestantes. A transição da realidade para a ficção é feita, de forma brilhante, por meio de uma passagem jornalística, na qual as filmagens dos protestos são incorporadas à ficção. Através do mesmo trecho, o jornal noticia que Abdel Ichaha (Abdel Ahmed Ghili), um amigo dos personagens principais, está em estado grave no hospital após ser violentamente ferido por um policial, episódio que marca o início da trama.

“Esta manhã eu acordei em um toque de recolher
Oh, Deus, eu também era prisioneiro, sim!
Não foi possível reconhecer os rostos à cima de mim
Eles estavam todos vestidos em uniformes de brutalidade, eh!”
Burnin’ And Lootin’
Bob Marley

O enredo acompanha 24 horas da vida de Vinz (Vincent Cassel), Saïd (Saïd Taghmaoui) e Hubert (Hubert Koundé), os personagens centrais de “La Haine”, que estão incessantemente estressados e discutem uns com os outros inúmeras vezes. Os três amigos possuem personalidades distintas, Vinz é o mais explosivo e com mais desejo de vingança, já Hubert possui um caráter sensato e responsável e Said, por sua vez, é o mais ingênuo entre os três. O humor exasperado do grupo e o clima constantemente tenso, geram a sensação de que a todo tempo algo negativo pode ocorrer com os jovens.

Durante toda a trama, Vinz promete assassinar algum policial, caso Abdel não resista aos ferimentos, alegando que o ato iria “equilibrar a balança”. O personagem é responsável por protagonizar a cena mais famosa do longa, cuja referência é o clássico de Martin Scorsese, “Taxi Driver”. Vincent Cassel interpreta um trecho inspirado no icônico personagem Travis Bickle (Robert DeNiro), no qual ele pratica movimentos com uma arma de fogo em frente ao espelho de sua casa. Assim como Travis, Vinz repete a fala “Cê tá falando comigo?” para si mesmo no espelho algumas vezes, enquanto imita movimentos de arma com suas mãos. O paralelo entre as duas passagens se dá, além das características visuais, pela semelhança entre os dois personagens. Ambos estão, de certa forma, consumidos pelo ódio e buscam fazer justiça com as próprias mãos.

“Quem faz a lei? Justiça por quê?
[…]
O último juiz que vi tinha mais vícios
Que o traficante da minha rua”
La Haine, Cut Killer

A genialidade do filme se mostra presente desde o roteiro comovente até a filmografia iimpactante. Com uma trilha sonora repleta de hip hop, gênero marcado por críticas a tópicos políticos, Mathieu Kassovitz insere o espectador no ambiente banlieue, nome dado aos subúrbios franceses. As banlieues podem ser vistas como uma forma de subcultura que se notabiliza pelos trajes, pela cultura das drogas, o uso da linguagem, a expressão artística através do graffiti e o consumo do hip hop como estilo musical e comportamental. Com quase 30 anos de seu lançamento, o tom de protesto e denúncia exposto através do longa não perde a relevância na sociedade contemporânea.

Com um final impactante e livre para interpretação pessoal, o lema “O ódio gera ódio” é enfatizado nas últimas cenas da obra. “La Haine” é um espelho da realidade e o sentimento de não pertencimento e limitação de toda uma geração e sociedade é muito bem representado por Kassovitz, que dirigiu de forma incrível o que se tornou um clássico cinematográfico.

Le monde est à nous.

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