Caso Cuca: abordagem da mídia sobre a condenação

Por: Maria Eduarda Abranches

Na tarde desta quinta-feira (20), o Sport Club Corinthians anunciou a contratação do técnico Alexi Stival, conhecido como Cuca, para o comando do time paulista. Porém, essa decisão da diretoria do clube gerou uma grande repercussão nas redes sociais e na mídia, visto que grande parte da torcida repudiou a contratação do treinador.

Alexi Stival, o Cuca, é um ex-jogador brasileiro que teve passagem nos principais clubes brasileiros, como Palmeiras, Internacional, Santos e Grêmio. Pouco tempo depois da aposentadoria dos gramados, ele começou a atuar como técnico, comandando Flamengo, Fluminense, São Paulo, Cruzeiro, Palmeiras, Atlético Mineiro e Santos, entre outros clubes.

No entanto, um acontecimento específico, em 1987, se tornou manchete de diversos veículos de comunicação recentemente.

“Uma chegada emocionante. A torcida vibrou, cantou o hino do Grêmio, aplaudiu os jogadores e xingou a jovem suíça”. É desta forma que o Jornal Zero Hora retratou a recepção dos jogadores Eduardo Hamester, Fernando Castoldi, Henrique Etges e o Alex Stival no aeroporto de Porto Alegre em 31 de agosto de 1987, vitimizando-os e tratando a verdadeira vítima de maneira duvidosa.

Os jogadores voltavam ao Brasil após 28 dias presos na Suíça, acusados pelo crime de estupro de vulnerável contra uma garota de 13 anos, a Sandra Pfäffli. Ela estava com dois amigos quando foi no quarto 204 do Hotel Metropolitano, em Berna, para pedir uma camisa do Grêmio. Pouco tempo depois, os jogadores expulsaram os amigos, forçando a menina manter, durante 30 minutos, relações sexuais com eles.

Imagem de uma edição da Gazeta de Esportes noticiando a chegada de Cuca ao Brasil em 1989O caso foi a julgamento, em 1989, de forma que os jogadores foram condenados pela justiça Suíça, mas nunca pisaram na prisão, já que como eles estavam no Brasil e não cumpriram a pena. Seguiram suas vidas, até que o caso Robinho, em 2020, fosse colocado na pauta esportiva sobre a violência de gênero. Em especial, o programa Esporte Espetacular, da Rede Globo, foi considerado uma virada de chave fundamental para a abordagem midiática sobre esse tema.

O programa do Esporte Espetacular realizou uma matéria aprofundada acerca do caso do Robinho – coincidindo também com os dez anos do caso Eliza Samudio, de forma a expor também, outros casos de esportistas com histórico de  violência sexual, como é o caso do treinador Cuca. Isso promoveu um grande movimento por parte da mídia, de  jornalistas e dos torcedores, questionando se o Santos, clube em que o jogador atuou durante grande parte da sua carreira, contrataria ele, visto que ainda não havia uma condenação definitiva. Com isso, esse questionamento com relação ao Cuca começou a ser feito com maior frequência.

Imagem do Cuca comemorando.No último clube em que o ex-jogador atuou como técnico, o Atlético Mineiro, ele foi muito blindado sobre o tema e o assunto foi tratado apenas como pé de página. No Corinthians a situação foi diferente e a própria reação da torcida deu rumos diferentes ao episódio da contratação do treinador. Algo importante a ser destacado acerca dessa abordagem, é a presença das mulheres na mídia esportiva, proporcionando um peso maior para discussões como essa, tornando-a essencial, o que não era visto antes, já que assuntos como esses eram tratados de forma rasa.

A jornalista Ana Thais Matos foi uma das responsáveis por abordar sobre o Caso de Berna, embora impedida de tratar o assunto nos programas do “SportTv”. Ela ironizou a volta do treinador ao clube mineiro: “A galera esquece muita coisa em relação ao Cuca”. Matos publicou recentemente nas suas redes sociais o texto “O futebol e todos nós esquecemosmuitas coisas” feito em 2022, com a legenda: “O Corinthians é mais um clube que ignora questões que estão relacionadas com o que você é como clube na sociedade. Nenhum título conquistado vai apagar o cenário de vergonha onde colocaram o clube nesse dia 20 de abril de 2023, [dia em que Cuca foi oficializado]”.

Além da Ana Thais Matos, a jornalista Renata Mendonça, uma das fundadoras do portal “Dibradoras”, comentou o tema nos programas “Troca de passes” e “Redação”, reforçando as mesmas ideias do seu texto publicado pela Folha de São Paulo em 2022, “Há uma parte do currículo de Cuca que não deve ser esquecida”. Ressaltando a fala da Ana Thais, a

profissional retoma a indignação com a naturalidade com que os homens ignoram a condenação de Cuca por estupro. Os profissionais de comunicação não são juízes e não podem ditar o que é verdade ou não sobre os casos envolvendo atletas. Entretanto, é necessário trazer esses assuntos à tona, pois o esporte ainda é um espaço para debates sociais.

Assim que o Cuca foi apresentado, mais detalhes do crime vieram à tona. Desde que foi apresentado, o treinador enfrentou vários protestos. Na primeira coletiva de imprensa, ele alegou não ter sido reconhecido pela vítima, algo que contradiz com o furo de reportagem feito pelo jornalista Adriano Wilkson, do portal Uol, que soltou uma entrevista com o advogado da menina na época, trazendo pela primeira vez no Brasil, a versão da vítima sobre esse caso. De acordo com a matéria, Cuca foi reconhecido, sendo encontrado sêmen dele no corpo da garota no exame realizado pelas autoridades suíças.

Ademais, nessa coletiva de apresentação, além de reafirmar que era inocente, chegou a dizer que não entendia o motivo pela qual as mulheres estavam contra a contratação dele, afirmando que procuraria abraçar a campanha, citando “Qual o nome mesmo?”.

A campanha em questão é a “Respeita as minas”. O Corinthians é considerado referência na América do Sul do futebol feminino, sendo na atualidade mais vitorioso nesta modalidade que no masculino. O clube empoderou as atletas de forma a ter voz ativa, criando uma cultura de participação, levando torcedoras e torcedores para o estádio. O próprio time feminino, as jogadoras e técnico fizeram uma postagem durante o jogo do Goiás, ocorrido no dia 23/04/2023, no minuto 87, fazendo referência ao ano do crime em Berna, um posicionamento claro contra a contratação do treinador.

 

A pressão da arquibancada cresceu, tornando breve a passagem de Cuca pelo Clube Paulista. Logo após o jogo pela Copa do Brasil, contra o Remo, o Corinthians publicou em suas redes sociais: “O Sport Club Corinthians Paulista confirma que o técnico Cuca deixou o comando da equipe depois de um pedido da família para resolver assuntos particulares. Desejamos a Cuca e sua comissão técnica sucesso na sequência da carreira.” Ao final do jogo, os jogadores do clube foram comemorar com o treinador, ao invés de ir comemorar com a própria torcida, isso diz muito sobre o posicionamento deles, minimizando o crime cometido contra uma menina de 13 anos, resultado do chamado pacto da masculinidade do futebol.

Durante anos, todo assunto que fosse considerado extracampo era minimizado diante dos resultados. A própria Globo, emissora que deu atenção a esse caso em 2020, em uma matéria do Esporte Espetacular e novamente, em uma feita pelo Jornal Nacional que realizou uma reportagem em que teve acesso a uma página do processo, confirmando as informações e o crime cometido: ato sexual com menor e coação − silenciou sobre o assunto diante dos títulos e bons desempenhos que as equipes apresentavam. Por ser um dos meios de comunicação com maior influência na opinião pública, a Globo deve ter a responsabilidade de tratar casos como esse com maior relevância. Afinal, esses casos sempre foram públicos, mas mesmo assim, em 2018, o treinador foi contratado por essa emissora para ser comentarista na Copa do Mundo da Rússia.

O que aconteceu no dia 26/04/2023 foi simbólico, resultado da luta de milhares de mulheres em busca de respeito em um esporte ainda tão machista. O caso Cuca é exemplar para demonstrar que o mundo do futebol não está  desconectado da sociedade. Os tempos mudaram e os posicionamentos deveriam ter acompanhado essa mudança.

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