A transformação da imagem da Atlântida na mídia de papel do Rio de Janeiro

Por Bruna Oliveira e Júlia Horta.

A Atlântida Cinematográfica foi uma companhia, que surgiu no Rio de Janeiro durante o segundo semestre de 1941, que buscava realizar grandes filmes de estúdio. A produtora passou por várias fases ao longo de sua existência e ficou conhecida por produzir filmes que ficaram marcados pelo termo “chanchada”. A expressão demarcava produções que foram consideradas pela crítica sobretudo mercadológicas, responsáveis por produzir um humor popular, ignorando a história e cultura do país. 

Entretanto, ainda que ao longo dos anos a imagem da Atlântida tenha sido associada apenas às chanchadas, passando por uma grande descredibilização perante a crítica cinematográfica e a mídia, a companhia já teve os seus grandes momentos de sucesso e aclamação. É possível observar, analisando alguns recortes das editorias de cultura e cinema dos jornais e revistas do Rio de Janeiro entre 1942 e 1970, a transformação da imagem da Atlântida e a oscilação entre as críticas negativas e positivas em relação à companhia. 

A primeira matéria que demonstra uma expectativa positiva da mídia sobre a Atlântida foi retirada da revista Cinearte (RJ), na edição de número 00558. Há uma matéria elogiosa à chegada da produtora, encarada como símbolo de uma nova fase do cinema brasileiro. O surgimento de um grande estúdio significaria, nessa perspectiva, o deslanchar da cinematografia do Brasil.

Cinearte (RJ) – edição 00558, 1942.

A empolgação geral com a Atlântida e as grandes expectativas seguiram por mais três anos. Já em 1945, um pequeno trecho encontrado no Jornal do Brasil, demonstra que existia uma espera do público e da crítica pelas produções da companhia e seu elenco. 

Jornal do Brasil (RJ) – edição 00112, 1945.

A visão positiva sobre a Atlântida começou a mudar em 1946. Naquele ano, já se encontrava indícios na mídia de papel de certas insatisfações da crítica com as produções da companhia. Um dos pontos abordados pela crítica que apontava supostas falhas na Atlântida era a falta da exploração da paisagem brasileira. Aparentemente, os filmes em estúdio começavam a incomodar e nascia um desejo por ver filmagens que aproveitassem os recursos natureza. A revista Hollywood (RJ), na edição de número 0036, em 1946, produziu uma matéria que falava sobre essa questão.

Hollywood (RJ) – edição 0036, 1946.

Oscilando entre a exaltação do sucesso e a insatisfação, em 1947 a revista Hollywood (RJ) publicou uma nota sobre o diretor Watson Macedo, na qual é possível observar que apesar das críticas, a Atlântida continuava sendo um sucesso de exibição. 

Hollywood (RJ) – edição 0045, 1947

Essa instabilidade de avaliações perdurou por cerca de três anos. Em 1950, por exemplo, quando a companhia estava perto de lançar o filme A Sombra da Outra, do próprio Macedo, a revista Hollywood fez uma matéria em que dizia que o filme era esperado como a grande revelação do cinema brasileiro. O que evidencia que, apesar de certos descontentamentos com a Atlântida, a crítica ainda apontava aspectos muito positivos sobre a companhia.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

Hollywood (RJ) – edição 0046, 1950

Caminhando mais três anos de história da Atlântida, em 1953, a revista Cinelândia (RJ), na edição 00011, não poupou críticas à companhia e atacou fortemente o cinema que estava sendo feito no Brasil, abordando a falta de uso das paisagens brasileiras e de características próprias da cultura do país. Neste momento, crescia o movimento contrário às produções da companhia. 

Cinelândia (RJ) – edição 00011, 1953. 

Nos anos seguintes, se fortaleceu a ideia de que os filmes produzidos pela Atlântida eram apenas “chanchadas” com pouco valor artístico. As obras passaram, cada vez mais, a ser consideradas como pastelões, como pertencentes a um lado menor do cinema. Em 1959, o jornal Correio da Manhã soltou uma pequena nota falando sobre José Carlos Burle e enfatizou que o diretor foi mais um dos condenados à chanchada, já que, no Brasil, de acordo com o jornal, não era possível fazer filmes sérios. As produções da Atlântida deixaram de ser tidas como um grande avanço no cinema brasileiro para serem encaradas como um cinema decadente em seus últimos anos. 

Correio da Manhã (RJ) – edição 20177, 1959.

A década 1960 chegou e, com ela, o começo do fim da Atlântida. Em 1960, O Jornal, do Rio de Janeiro, publicou uma matéria que dava grandes indícios de que a companhia estaria acabando. Na coluna sobre cinema, da edição 12064, em janeiro, o colunista Pedro Lima escreveu as seguintes observações: 

Acho importante inserir aqui as observações de Lima transcritas, já que são importantes para compreensão do artigo de vocês. Não é possível ler o que está escrito na imagem no tamanho que está.

O Jornal (RJ) – edição 12064, 1960.

Analisando o que escreveu Lima, fica claro que as produções da Atlântida não eram mais consideradas cinema, tanto para a crítica, quanto para o público, que antes eram o principal pilar de sustentação da Atlântida. Os espectadores não se identificavam mais com os filmes da produtora e clamavam por diversidade. Era necessário diversificar para sobreviver e a Atlântida não parecia muito engajada nesse sentido. 

Por fim, em 1970, a revista Filme & Cultura apresentou duas matérias que ajudam a destacar a ambiguidade existente na crítica em relação a Atlântida e suas produções. Em uma matéria produzida pelo crítico José Carlos Monteiro, que era uma figura importante na revista, afirma-se que não existia realismo no cinema brasileiro antes de Nelson Pereira dos Santos – diretor de obras seminais, como Vidas Secas (1963) – e reforça a ideia de que as produções da Atlântida apresentavam uma visão deformada da sociedade, reforçando uma crítica que já havia surgido há 13 anos, quando a revista Cinelândia afirmou que os filmes da Atlântida não se ligavam a concretude do ambiente.

Filme & Cultura (RJ) – edição 00016, 1970.

Entretanto, a opinião de José Carlos Monteiro contrastava fortemente com o que havia dito o diretor Anselmo Duarte, para a mesma revista, duas edições antes. O diretor afirmou que a Atlântida tinha, além das chanchadas, um cinema humano-social e citou filmes como Também Somos Irmãos (José Carlos Burle, 1949) e Moleque Tião (José Carlos Burle, 1943). Para ele, essas produções da Atlântida mostravam explicitamente a realidade social do Brasil. Filmes, que de certa forma, parecem ter sido esquecidos ou ignorados pela crítica que aponta a inexistência do realismo e do teor contestatório nas produções da Atlântida. 

Filme & Cultura (RJ) – edição 00014, 1970. 

Analisando os 30 anos de representação da Atlântida na mídia, é possível concluir que, no início das suas atividades, a companhia foi vista com bons olhos e foi, inclusive, exaltada pela mesma mídia que, mais tarde, iria duramente criticá-la. É inegável que em toda sua história, inclusive fora do Brasil, a indústria cinematográfica tende a evoluir na técnica e na essência. Novas tecnologias surgem e a sociedade se complexifica, fazendo com que essas transformações sejam refletidas também na arte. Apesar das contradições, parece um pouco injusto o que parte da mídia fez com a companhia, ignorando seus momentos de glória e a importância para o cinema brasileiro. Construíram uma imagem de cinema unicamente comercial e inquestionavelmente menor, enquanto, na verdade, analisando a trajetória da Atlântida pelas mídias de papel, é possível perceber que seus filmes foram mais que isso. A Atlântida representou um importante avanço no cinema brasileiro produzindo os populares musicais, mas também filmes que abordavam a realidade social do Brasil. 

Bruna Oliveira e Júlia Horta são estudantes de Cinema e Audiovisual da PUC Minas.

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