A Memória da Mansão Bly

Por Antonio Pedroni, Caio Braga, Nicolas Braga.

A Maldição da Mansão Bly, criada por Mike Flanagan, é a sequência antológica de A Maldição da Residência Hill, de mesma autoria. Adaptação do livro A Volta do Parafuso, de Henry James, Bly segue a ideia de Hill, que foi adaptada do romance A Assombração da Casa da Colina, de Shirley Jackson. As séries são unidas não só pelo gênero terror em si, mas pelo modo como a sua linguagem é explorada para contar as histórias e produzir sensações. Existe uma presença fantasmagórica constante e isso se dá de maneira literal: fantasmas assombrando casas; e de maneira não literal: uma memória ou sentimento que persegue cada personagem. Essa palavra, memória, também faz parte do âmago das narrativas e, especificamente em Bly, há, inclusive, a opção pela estética do flashback contínuo.

O início do primeiro episódio apresenta uma personagem cuja função é justamente contar toda a história que se seguirá. A partir daí, a estrutura segue uma linha parecida com a de Hill: cada episódio é protagonizado por uma personagem distinta, com seu ponto de vista sendo evidenciado naquele momento e as outras personagens vivendo suas histórias paralelas como coadjuvantes. Há cenas até mesmo vistas mais de uma vez, sob diversos ângulos, em episódios diferentes. Desse modo, as informações são apresentadas e escondidas deliberadamente, levando o público a sensações de dúvida, confusão e compreensão quase sempre de maneira concomitante às pessoas envolvidas. A montagem, então, potencializa a narrativa, exemplificando a bela dança entre forma e conteúdo.
A alma da obra está em variados sentidos da noção de memória, que compreendem tanto o ato de lembrar como experiência quanto as lembranças em si. Dentro do grande flashback há pequenos fragmentos das vidas das personagens que nos são expostos como marcas, cicatrizes, que influenciam diretamente seus cotidianos. Ainda, as personagens são vistas experienciando o ato de lembrar e como esse processo pode ser desgastante e doloroso. Abordando, também, a situação oposta: o esquecimento, quando a memória se esvai. A rotina, porém, é o que sobra. Ela não vai embora junto à morte, e continua trazendo consigo todo o sentimento envolvido mesmo após o esquecimento.

O drama pessoal da Dama do Lago mora justamente nessa questão, sendo a personagem a própria personificação do conceito de rotina. Ela se esquece até mesmo do rosto da filha, mas não do vazio deixado por ela em sua vida e morte, levando-a andar em círculos, o que a faz resistir ao tempo. Sua existência infinita vai de encontro às personagens principais, que já lidavam com seus próprios fantasmas. A Dama do Lago não se desliga da casa, tornando a Mansão uma prisão e uma assombração em si. Sua história conecta todas as outras, um drama que de tão denso só poderia ser contado com a tinta do terror; contos entrelaçando-se pelas dores do tempo que não ultrapassam a força dos traumas e inevitabilidade do amor ou a simples memória da Mansão Bly.

The Bly Manor (A Maldição da Mansão Bly) – (Estados Unidos, 2020). Netflix.
Criação: Mike Flanagan
Direção: Mike Flanagan, Ciarán Foy, Liam Gavin, Yolanda Ramke, Ben Howling, Axelle Carolyn e E. L. Katz
Roteiro: Mike Flanagan, James Flanagan, Diane Ademu-John, Laurie Penny, Angela LaManna, Rebecca Leigh Klingel, Leah Fong, Julia Bicknell, Michael e Paul Thomas Clarkson
Elenco:Victoria Pedretti, Oliver Jackson-Cohen, Amelia Eve, T’Nia Miller, Rahul Kohli, Tahirah Sharif, Amelie Bea Smith, Benjamin Evan Ainsworth e Henry Thomas
Duração: 9 episódios de 46-66 minutos.

Trabalho produzido para a disciplina Análise e Crítica de Filmes, do curso Cinema e Audiovisual, ministrada por Márcio Serelle.

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