A complexidade narrativa e artística de Hannibal

Por Carolina Gonçalves Braga, Júlia Sales Cordeiro Araújo e Nathália Oliveira Fialho Vieira.

Hannibal é uma série baseada em personagens e aspectos dos livros Red Dragon (1981) e Hannibal (1999) de Thomas Harris, adaptada para a televisão por Brian Fuller e estreada em 2013 pela NBC. A narrativa conta a história de Will Graham, analista comportamental do FBI que possui uma habilidade descrita como “sensibilidade empática”, que permite que ele analise cenas do crime do ponto de vista dos próprios criminosos. Ao longo da primeira temporada, podemos acompanhar a trajetória de Will, representado em constante luta em função da estabilidade psicológica e do entendimento das relações com os outros, mas que acaba se perdendo ao deixar seu dom comprometer sua sanidade. 

O enredo da primeira temporada é desenvolvido como na maioria das séries policiais, em que podemos ver os protagonistas trabalhando em um novo caso a cada episódio, porém até mesmo esses casos à primeira vista alheios à investigação do principal assassino da série, o Estripador de Chesapeake, contribuem para o desenvolvimento das personagens e do arco principal. Na season finale, esses casos desconexos se entrelaçam de maneira perfeita para complementar a jornada dos personagens em sua busca pelo criminoso. 

O piloto da série tem como introdução uma cena com várias informações, que causam confusão no espectador e curiosidade, seja pela montagem, ou pelo ritmo acelerado dos acontecimentos. Dessa maneira, o episódio introduz os personagens que farão parte do núcleo principal da série. O piloto traz inúmeras questões para o público, instigando-o a dar continuidade para descobrir qual será a relação do psiquiatra com o analista. Assim, a série entrega ao público uma informação que os personagens não estão cientes – Will vai trabalhar com o canibal que está procurando.

Os casos introduzidos a cada episódio seguem, na maioria das vezes, uma espécie de fórmula, em que o crime ocorre já antes do começo do episódio, a equipe do FBI investiga a cena do crime, logo a busca pelo criminoso é intercalada com aspectos do arco principal e, ao final, o criminoso é pego. Tal formato é mantido até os episódios finais, em que Will deixa de ser o investigador e se torna o investigado, já que vai gradualmente mergulhando em sua habilidade especial que o afeta de maneira negativa, fazendo-o ter alucinações e fortes dores de cabeça e passar por episódios de dissociação. Assim, Hannibal consegue incriminá-lo por seus próprios assassinatos, manipulando evidências e pessoas.  

Contudo, a manipulação mental está ligada à narrativa do crime trocado, sendo disposta de forma não linear, na qual só se consegue entender as intenções das personagens a partir da união das pontas soltas dispostas no desenvolvimento do enredo. A obra apresenta uma trama que envolve a investigação de crimes e a revelação de crimes passados, mesclando aspectos do gênero policial e do terror. Todos os crimes apresentados têm em comum os aspectos da troca, por isso o arco longo é marcado por esses elementos, representados por meio dos comportamentos manipulativos da personagem.

As questões estéticas e traços artísticos da série revelam características típicas do expressionismo, um viés do gênero de horror. Técnicas de contrastes de cores, iluminação bem marcada no “jogo claro-escuro”, tendo em consideração penumbras e sombras, destaque aos objetos e cenários, o som, figurinos exuberantes e sofisticados e a montagem são elementos fundamentais para a construção do desenvolvimento da narrativa e da revelação de certas particularidades dos perfis sociais e psicológicos das personagens.

A montagem da série compõe um dos elementos mais cruciais para a relação do espectador com as informações sugeridas pela trama. A alternância entre os pensamentos do Will e as cenas do crime que ele presencia, juntamente com as imagens das vítimas expostas de maneira tão brutal, são capazes de gerar a empatia do público com o protagonista, uma vez que o espectador é preparado para entender a imaginação dele. Outro aspecto imperioso para a construção narrativa encontra-se nas cenas em que Lecter está cozinhando, porque além da trilha sonora marcante — assinada por música clássica, estabelecendo um contraste entre a elegância dos sons e o ato grotesco, contraste esse que representa perfeitamente a figura de Hannibal —, a maneira como o canibal trata as partes humanas, junto aos close-ups que finalizam as cenas de degustação, causam o desconforto proporcionado pelo tema sensível da série. Para concluir, em análise geral da montagem, é necessário evidenciar as inúmeras cenas em câmera lenta, os flashbacks demarcados por fotografias diferentes, além dos momentos de elipse, que são fundamentais para instigar o público a imaginar os acontecimentos, deixando que ele subentenda o que foi exibido.

Com relação ao som, a obra beneficia-se com a falta de uma trilha específica e se aproveita do silêncio relativo para reproduzir sons estridentes e agonizantes, que contribuem para criar a atmosfera de tensão e causar incômodo nos espectadores. Utilizando-se de instrumentos não convencionais, como o rombo e o aquaphone, a mixagem de som contribui de forma magnífica para a ambientação das cenas, geralmente repletas de insegurança e desespero. Um som específico presente em quase todos os episódios é o do pêndulo de Newton, usado para demonstrar o funcionamento do cérebro de Will nos momentos em que usa de sua empatia extrema para analisar as cenas do crime. 

Fora os aspectos já mencionados, a complexidade da narrativa, os sentidos em sinestesia graças à abundância de detalhes da produção, a atuação impecável das personagens e a imposição visual garantem uma opinião majoritariamente positiva, tanto do público quanto da crítica. Além disso, é notória a influência de referências já antes utilizadas para a criação de uma produção que desafia o espectador a se atentar aos detalhes, ainda que num enredo sombrio e perturbador, garantindo seu título de uma das melhores séries da TV complexa e aumentando a insatisfação pelo seu cancelamento.

Elenco de Hannibal. Foto: Divulgação/NBC
O ator Mads Mikkelsen prepara uma refeição em Hannibal. Foto: Divulgação/NBC
Hannibal e Will. Foto: Divulgação/NBC

Hannibal (1º temporada, EUA, 2013)

Criação: Bryan Fuller.

Direção: David Slade, Michael Rymer, Peter Medak, Guillermo Navarro, James Foley, Tim Hunter, John Dahl.

Roteiro: Bryan Fuller, Steve Lightfoot, Jeff Vlaming, Angelina Burnett, Nick Antosca, Tom de Ville, Don Macini, Helen Shang, Angela Lamanna.

Elenco: Mads Mikkelsen, Hugh Dancy, Laurence Fishburne, Carolline Dhavernas, Gillian Anderson, Joe Anderson, Richard Armitage, Rutina Wesley, Tao Okamoto.

Duração: 13 episódios com cerca de 43 min.

Carolina Gonçalves Braga, Júlia Sales Cordeiro Araújo e Nathália Oliveira Fialho Vieira são alunas do curso de Cinema e Audiovisual da PUC Minas.

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