The Last of Us: a narrativa entre Joel e Ellie

Por Davi Meireles

Contextualização do jogo

The Last of Us é um jogo de videogame lançado em 2013 pela Sony e desenvolvido pela Naughty Dog, sob direção de Neil Druckmann e Bruce Straley. Os personagens principais, Joel e Ellie, são interpretados respectivamente por Troy Baker e Ashley Johnson. Ao assumir o papel de Joel, o jogador tem uma experiência single player. A narrativa do game, que mescla ação, aventura e shooter, é linear e atravessada por objetivos de sobrevivência.

Durante a trajetória de lançamento, The Last of Us acumulou 139 prêmios. Das 10 indicações ao BAFTA Videogames Awards, o jogo venceu cinco, dentre elas o prêmio de Jogo do Ano e o prêmio de Melhor Narrativa. É quase unânime o reconhecimento positivo de The Last of Us na indústria de jogos. O game tem conquistado, ainda, novos territórios no campo do entretenimento: a franquia está em expansão e em 2023 o jogo ser transformado em uma série produzida pela HBO.

Os Recursos Narrativos do jogo

No jogo, uma epidemia de um fungo chamado cordyceps devasta a sociedade, estabelecendo um cenário verdadeiramente distópico. Esse fungo é capaz de transformar pessoas em criaturas que devoram seres humanos e que os infectam a partir de mordidas ou arranhões. A epidemia é implacável e a partir do Outbreak day (dia do início da epidemia) todas as estruturas sociais do mundo são abaladas. Os governos se dissolvem ao mesmo tempo em que insurgem milícias armadas e organizações paramilitares, entre outros grupos que se aglutinam para garantir a sobrevivência.

Nesse contexto, os caminhos de Joel e Ellie se cruzam. O protagonista recebe tarefa de tirar a garota das ruínas de uma cidade desolada e abandonada e de levá-la em segurança ao prédio do Capitólio. Porém, eventuais complicações abalam o curso e a dimensão da jornada dos dois.

Todos os elementos do jogo contribuem para a construção de sua narrativa. O gameplay e o roteiro estão sempre articulados. Por exemplo, enquanto o jogador explora os cenários do jogo, os personagens dialogam e interagem, revelando mais arestas de suas histórias. A coreografia cênica acontece até em momentos em que os personagens estão apenas caminhando.

A trilha sonora de Gustavo Santaolalla não só acompanha o tom dos acontecimentos como estabelece o ritmo do gameplay. Santaolalla usa diversos instrumentos “não convencionais”, como Ronroco e tambores, para engendrar uma trilha que atua como elemento narrativo subjetivo. Em verdade, a música é um dos recursos emocionais mais fortes do jogo.

Em entrevista para a PlayStation, Troy Baker disse que sempre chegava ao set de filmagens sentindo que ele deveria “cuidar” de sua colega de atuação, tamanha a força do relacionamento diegético entre Joel e Ellie. Esse não é o único exemplo em que se pode perceber as articulações entre ficção e realidade e o envolvimento imersivo dos atores nesse projeto. Em alguns depoimentos, Ashley Johnson já afirmou que, caso optasse por não seguir a carreira de atriz, gostaria de se tornar uma astronauta – algo repetido por Ellie, no jogo. Neil Druckmann permitiu que os atores explorassem com liberdade o processo de criação das personagens para que todos se sentissem bem com o resultado da cena. The Last of Us é um game que conta uma história extremamente humana, o que reflete muito seus processos de feitura.

O que há entre Joel e Ellie

Logo no início da história, Joel sofre um trauma irreparável: ele perde a pessoa mais importante da sua vida. Para o protagonista, esse momento fica congelado no tempo, algo simbolicamente representado pelo seu relógio quebrado. A trajetória do personagem começa, então, com seu drama pessoal e com o concomitante declínio de sua humanidade.

Vinte anos depois, o jogador é apresentado a outro Joel, um sujeito destruído e ainda mais desencantado com a vida por causa do surgimento da epidemia. Ele é ríspido, frio e violento, até conhecer Ellie, uma garota difícil de lidar e impossível de controlar. A jovem tem um objetivo e pretende fazer de tudo para alcançá-lo. Ellie, na verdade, é imune ao cordyceps e representa a possibilidade de desenvolvimento de uma cura. Por isso, a garota precisa ser levada ao grupo armado “Vagalumes”. Joel se compromete a ajudá-la.

O relacionamento do dois começa conturbado. Porém, depois de várias intempéries, eles aprendem a se aceitar. Joel demonstra se sentir cada vez mais responsável por Ellie, enxergando na jovem a vitalidade de alguém que tem um propósito e um motivo para querer viver. Por meio de sua relação com a menina, Joel começa a, sutilmente, redescobrir pequenas felicidades cotidianas. Se, no início da jornada, os dois personagens discutiam com imaturidade, no decorrer no percurso eles passam a partilhar singelas alegrias, como a música. Para Ellie, a cumplicidade se estabelece mais rapidamente; já para Joel, esse processo é mais complicado. Falamos de um homem desconfiado a quem a improvável aliança foi imposta. De qualquer forma, eles dependem um do outro para sobreviver.

Joel e Ellie vão se aproximando cada vez mais, como pai e filha. Não se trata de um afeto confortável para o protagonista. Em uma discussão, Ellie revela o apreço que sentia por Joel e a segurança que ele lhe trazia. Joel é posto em conflito com seu passado, que o amedronta com a possibilidade de perdê-la. Ellie, porém, desperta Joel para a beleza da vida. Antes obscuro, o personagem começa a reparar na paisagem, a revelar suas paixões e sua própria história. Ellie, finalmente, tinha alguém para se ancorar novamente.

Entretanto, a paz não dura tanto. Joel fica incapacitado e debilitado e cabe a Ellie cuidar de si e dele. Nesse momento do jogo, a personagem engrandece. Ela se torna responsável pela sobrevivência dos dois e esse é o momento mais sombrio do jogo. Através de experiências traumáticas, de desafios e conflitos, Ellie se emancipa como personagem e aprende a confiar em si.

The Last of Us é um jogo sobre amor. Joel ama tanto Ellie que seria capaz de fazer coisas terríveis por ela. O dilema final do jogo é simples e desolador: para desenvolver a almejada cura, Ellie deveria morrer. Joel escolhe salvá-la. O protagonista resgata a garota desacordada de uma sala de cirurgia. Quando Ellie acorda, Joel mente para ela e lhe diz que os Vagalumes não conseguiram desenvolver a cura.

Na cena final do jogo, Ellie, desconfiada, confronta Joel. Ele coloca a mão em seu relógio e sustenta sua mentira. Ela, por sua vez, finge acreditar, mas passa a compreender que deve confiar apenas em si para decidir os rumos da sua vida. Joel consegue amar a vida de novo, e Ellie está livre para escolher novos caminhos para seguir.

The Last of Us termina com um gosto amargo na boca. É um jogo que nos faz pensar sobre nossa própria humanidade: o que nós faríamos em nome dela? Trata-se de uma narrativa dinâmica, imersiva, interativa e emocionante. Em um mundo distópico, os últimos de nós seriam aqueles que ainda são capazes de amar a vida.

3 comentários em “The Last of Us: a narrativa entre Joel e Ellie

  1. Pingback: The Last of Us Part II: o valor da sua humanidade -

  2. Olá, Davi! Também me chamo Davi e adorei ler tua opinião sobre o jogo. Sou do RS e atualmente estou elaborando um artigo sobre The Last Of Us e a sua construção de sentidos, e adoraria trocar uma ideia contigo sobre!

    Se puder e estiver a fim, manda um email p mim! correadavi55@gmail.com

    Grato desde já.

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