PodCriticar EP. 8 – Lesbianidade, representatividade e estereótipos: uma entrevista com Silmara Takazaki

Pense em algumas animações dos anos 1990 e 2000. Você se lembra de personagens lésbicas? Se sim, como eram representadas?

Neste episódio, Nana Miranda, mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da PUC Minas, conversa com Silmara Takazaki, doutora e artista, sobre representações da lesbianidade e como essas animações acionam discursos, ensinam reações e produzem comportamento sociais que compõem narrativas acerca das sexualidades femininas dissidentes.

O tema foi base da pesquisa de doutorado de Takazaki, intitulada “Lesbianidade, Representatividade e Estereótipos: filmes de animação como tecnologia de gênero”.

A entrevista e locução foram gravadas em casa devido à pandemia.

Ela é Doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina e escreveu uma tese sobre filmes de animação como tecnologia de gênero.

Silmara Simone Takazaki é técnica em Desenho Industrial pelo CEFET-PR, bacharela em Gravura pela EMBAP-PR, especialista em Fundamentos do Ensino da Arte pela FAP-PR e em Artes Híbridas pela UTFPR, mestra em Design pela UFPR e doutora em Ciências Humanas pela UFSC. Fez doutorado sanduíche na Universidade Complutense de Madrid. Foi professora em cursos superiores de comunicação social e cursos de extensão universitária em universidades particulares. É professora do magistério superior dos cursos de Design na UTFPR (Fotografia e Animação). 

Em entrevista ao CCM, Silmara expõe um pouco de sua pesquisa de doutorado intitulada “Lesbianidade, Representatividade e Estereótipos: filmes de animação como tecnologia de gênero”. O trabalho trata de filmes de animação a partir da teoria da autora italiana Teresa de Lauretis sobre tecnologia de gênero, pensando cinema não apenas como um produto midiático que reflete a sociedade, mas como uma tecnologia capaz de construir subjetividades. Através de animações criadas desde a década de 1990, Silmara analisa representações da lesbianidade e como esses filmes acionam discursos, ensinam reações e produzem comportamento sociais que compõem narrativas acerca das sexualidades femininas dissidentes. 

CCM: Fala um pouco da sua relação com seu objeto de pesquisa. O que te chamou atenção nos filmes de animação? O que pautou sua escolha por esse tema?

SILMARA: Olha, a minha relação com o objeto da minha pesquisa é que eu sou professora de Animação nos cursos de Design da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, que fica em Curitiba. Eu dou aula de Fotografia e Animação. Mas por ter um discurso bastante feminista, muitos alunos me procuravam para orientar TCCs ou outros trabalhos de design que tinham uma perspectiva de gênero, sobre mulheres, ou mesmo estudos LGBT. Eu achei que precisava aprofundar minha pesquisa nesta área para poder orientar melhor minhas alunas. Assim, o tema já estava quase definido quando pensei no projeto, que de início era sobre animação e gênero. Apenas depois de alguns meses de doutorado eu resolvi fechar no tema das lésbicas nos filmes de animação para ter um corpus de pesquisa mais direcionado.

CCM: Na sua pesquisa você faz um panorama sobre a área de animação no Brasil e no mundo, a partir de uma perspectiva de gênero. Como a presença das mulheres aparece na história da animação? 

SILMARA: As mulheres sempre estiveram na animação, no Brasil e no mundo. Nós somos maioria como estudantes em cursos de graduação em animação, e também somos maioria como trabalhadoras nas produtoras de filmes de animação. No Brasil, temos mulheres incríveis fazendo animações maravilhosas, desde o início da história da animação aqui. No entanto, nós mulheres somos minoria nos cargos de direção, nos cargos de liderança. A maioria dos donos de produtoras são homens. Diretores homens. Roteiristas homens. E são os homens quem tem reconhecimento e levam os créditos. E isso se reflete nos personagens e nas narrativas que são criadas. É muito diferente uma personagem feminina criada por um homem de uma que foi criada por uma mulher. Lésbica, nem se fala, a diferença é muito grande. 

CCM: Ao mapear as personagens dos desenhos animados, você categorizou alguns perfis em tipos de representação. Como as corajosas, confusas, discretas e poderosas se relacionam com os estereótipos e representatividade? 

SILMARA: Eu categorizei as personagens lésbicas da animação a partir do que foi encontrado, sabe? Estas categorias da tese – corajosas, confusas, discretas e poderosas – são apenas o nome do grupinho de personagens mapeadas. Eu não quis dizer por exemplo que existem lésbicas que são lésbicas porque são confusas, de forma nenhuma hahaha – mas quis dizer que várias personagens foram retratadas – infelizmente – desta forma. E justamente estas personagens não foram criadas por diretoras lésbicas. As pioneiras, foram as primeiras, e por isso chamei de corajosas: surgiram quando era um tabu enorme falar sobre amor entre mulheres. As discretas estão nos desenhos que – por medo de perder audiência, por estratégia da produtora, por inúmeros motivos, quase passam despercebidas ou nem sabemos que são lésbicas… ou mesmo nem saem do armário na história. Mas felizmente temos agora, muito recentes, as poderosas, que são protagonistas, são heroínas, são fortes. 

CCM: Além das personagens lésbicas, foram identificadas outras personagens LGBT+ que você considerou importante registar. Pode citar algum e dizer brevemente como foram representados? 

SILMARA: Buscando as personagens lésbicas, eu acabei encontrando uma gama grande de diversidade importante para a representatividade LGBT. Personagens gays, bissexuais, trans, dragqueens, intersexo, não-binaries, todos em desenhos animados. Desde alguns razoavelmente antigos, como o demônio Him das meninas superpoderosas da década de 1990, que era um personagem masculino, tinha voz masculina, barba, mas se vestia com saia e salto alto, maquiagens; ou Doris, uma mulher trans em Shrek (anos 2000) que não é tratado na narrativa, mas no dvd; até um dos mais recentes, o DoubleTrouble, personagem não binárie, que usa pronomes neutros, na nova versão da She-ra, na temporada de 2020. E cada dia surgem outros novos, eu já posso fazer outra tese haha

CCM: Ao mesmo tempo em que você percebeu estereótipos negativos e piadas nos filmes de animação, também observou recentes protagonismos, lugares de fala e estratégias de resistência. Na sua opinião, qual é o desafio atual no que diz respeito às representações das identidades queer nas animações?

SILMARA:  Na minha percepção, as ausências estão conectadas, sabe? Se não há mulheres dirigindo animações, não há uma boa representação feminina no desenho animado. O mesmo acontece com LGBTs, lésbicas, pessoas negras, por exemplo. Uma boa representatividade diversa nos personagens no cinema parte da representatividade fora das telas, se estamos em cargos de liderança. A estratégia é uma luta feminista inclusiva, uma luta forte, interseccional, anticapacitista, antiespecista, contra todo tipo de opressão, porque as opressões também estão conectadas. O desafio agora é não perder o foco, não perder a esperança, e seguir lutando juntas. Eu acho que é isso. 

Tese disponível em: Lesbianidade, representatividade e estereótipos: filmes de animação como tecnologia de gênero (ufsc.br)

Voz: Nana Miranda | Técnica: Jessica de Almeida (CCM)

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