Por Marina Marques da Silva.
Começando o filme com um discurso premonitório e denunciante da forma de agir e pensar de seu personagem principal, o longa-metragem No, de Pablo Larrain, é um filme verdadeiramente político. O comercial colorido, alegre, jovial, cheio de música e o discurso proferido pelo personagem René Saavedra, trazido a vida de forma mais que satisfatória por Gael García Bernal, nos dá uma amostra da lógica mercadológica e midiática por detrás da campanha pelo voto do “não”. O que não deixa de ser irônico: a mídia sempre tão demonizada, escorraçada, acusada de alienação, agora seria a salvação da liberdade de uma nação. Através dela, o Chile seria “free”. E isso mesmo quando todos davam os plesbicito como uma causa perdida, já que acreditavam se tratar de uma farsa, forjada por Pinochet.
Incialmente, as razões para que René aceite estar à frente da campanha não ficam muito claras. Afinal ele é uma das pessoas que ditadura não desfavoreceu, muito pelo contrário: ele desfruta de uma vida financeira bastante confortável, com direito a uma belíssima casa na praia. Entretanto, sua mulher é contra o governo de Pinochet e uma militante da causa “No”, o que, de fato, acaba causando um afastamento entre eles. A vida familiar alegre e despreocupada pintada por ele em seus comerciais se tornou uma mentira até para o próprio protagonista, causada pelo governo fascista. A coragem que ele precisa para continuar é testada, pois ele começa a ser perseguido e sofrer ameaças do partido de Pinochet. Essa instabilidade pode ser sentida na fotografia do filme: a câmera mão, cheia de enquadramentos muito próximos dos rostos dos atores e over the shoulder, grandes planos gerais que parecem observar algo secretamente, discretamente. Falando em fotografia o visual de tv oitentista também contribui bastante para a imersão na narrativa fílmica. A clara decisão que o diretor faz pelo uso do recurso U-matic, ao invés de utilizar filtros e efeitos na pós-produção, é uma feliz escolha, pois quase chegamos a confundir quais imagens são de arquivo e quais são as gravadas para o filme.
Também é interessante observar os embates travados entre as propagandas políticas dos lados opostos. O filme de Larrain é um excelente retrato que denuncia o ceticismo acerca do plesbicito e da saída de Pinochet do governo: a ditadura só teve um fim por causa da pressão feita por governos internacionais e mesmo com Pinochet fora do poder, o status quo continuava o mesmo. Isso é evidencado no final do filme, na cena em que René faz a divulgação de um programa de tv no qual trabalhava desde a ditadura, no alto de um prédio; implicando-nos a pensar: a ditadura acabou, mas nada mudou, o poderosos continuam por cima de tudo.