Por Arthur Greggio Ramos Ferreira, Gabriel Brescia De Miranda Leão Do Amaral e João Pedro Oliveira Diniz.
A minissérie Chernobyl (2019), criada por Craig Mazin, dramatiza os eventos acontecidos em torno do acidente ocorrido em 25 de abril de 1986 na Usina Nuclear de Chernobyl, revelando os esforços, acertos e erros da população e das autoridades da época que buscava mitigar os danos catastróficos decorrentes do acontecido. A produção ganhou prêmios bastante expressivos, como o Prêmio Emmy do Primetime: Melhor Minissérie; Prêmio Globo de Ouro: Melhor Minissérie ou Filme Feito para TV; e Satellite Award de Melhor Minissérie, além de diversos outros como os de melhor ator coadjuvante, melhor roteiro, melhor direção e, melhor direção de fotografia.
Logo no início do piloto, a série já apresenta uma de suas estratégias narrativas, ao, através de uma prolepse, introduzir os últimos minutos de vida de um homem que a princípio o espectador não conhece, mas que grava fitas de áudio comentando sobre o ocorrido em Chernobyl. O personagem comete suicídio poucos minutos após. Essa decisão narrativa funciona para engajar o espectador, uma vez que este fica curioso para descobrir o que pode ter levado esse homem a cometer tal ato e porque ele estava sendo vigiado, provavelmente, pelo governo. Isso faz com que o espectador acompanhe as pressões psicológicas e sociais do personagem no decorrer da minissérie com mais afinco. Esse homem, chamado Legasov – só reaparece no final do piloto. Essa estratégia narrativa explora o ocorrido em sua variedade de indivíduos ligados diretamente à explosão, não focando, nesse primeiro momento, em um protagonista. Além disso, ao dar início à série com uma tragédia, Craig Mazin – roteirista de todos os episódios – já dá o tom do que vem por aí, uma vez que se trata um dos maiores desastres da história cometido pelo homem.
O cenário, o figurino, os objetos em cena, entre outros recursos, contribuem para que a narrativa ficcional se aproxime de imagens da época do acidente e atinja precisão histórica. Ao comparar fotos da cidade na época do acidente com a cidade fictícia no seriado, é possível notar a semelhança das casas que possuem tetos baixos e papéis de parede, assim como o local do acidente ficcional se assemelha muito com o real. Os personagens do alto escalão e membros do governo estão sempre de terno e gravata, os trabalhadores da usina e, por exemplo, do corpo de bombeiros se vestem com roupas e equipamentos de proteção clássicos de suas profissões, enquanto os figurantes que exercem papéis de civis usam roupas coloridas da moda de 1970 ucraniana. A série teve um grande apoio nas gravações de pessoas que estavam em Chernobyl na época do acidente e que trabalharam como consultores na produção. Tal escolha contextual evidencia a prioridade dramática da série, que é trazer um contexto sócio-histórico fidedigno não só expresso plasticamente, mas também na variedade de personagens da narrativa, representantes reais de pessoas envolvidas no acidente.
A narrativa tem muitos eixos dramáticos e narrativas paralelas num verdadeiro entrelaçamento de tramas, que vão se coincidindo à medida que a história progride. Aqui, a complexidade narrativa é abundantemente fomentada, como previsto em Mittel (2012), “([a complexidade narrativa]) altera a relação entre as diversas tramas criando histórias que se entrelaçam e normalmente colidem e coincidem”. A escolha da série em amplificar ao máximo os núcleos dramáticos, como os de cientistas, soldados, bombeiros, escavadores, e muitos outros, demonstra como a catástrofe atingiu amplamente a comunidade soviética, fomentando consequências físicas, psicológicas e sociais. Essa abordagem facilita a afetividade e empatia com os envolvidos em Chernobyl, dilatando assim a dimensão real de seres humanos atingidos, ao contrário de tratamentos expositivos e cientificistas que trariam números ao invés de vidas. A título de exemplo, ao pensarmos em tramas que se coincidem, vale-se citar o episódio 3, no qual a namorada de um dos bombeiros que está no hospital toca em seu parceiro, e é reprimida pela cientista Urlanda – presa por um agente da KGB que ouviu a discussão. Isso se desdobra em novos conflitos, pois Urlanda e Legasov decidem ir a fundo para descobrir a verdadeira origem da explosão.
A narrativa seriada possui uma abordagem interpretativa do gênero, onde há uma conversação social que molda as dinâmicas da diegese e o constitui internamente, e aqui, em Chernobyl, não é diferente. Ao refletirmos sobre algumas das situações de conflito apresentadas na série é possível estabelecer um paralelo com nossa atualidade sociocultural. Em diversos momentos pessoas do governo soviético, cientistas e civis minimizaram o ocorrido na cidade ucraniana da mesma maneira que milhões de pessoas negaram a ameaça da Covid-19 nos últimos 2 anos, que inevitavelmente custou milhares de vidas em ambas as situações. Talvez isso seja um retrato de como a humanidade não mudou muito nos últimos 30 anos, mesmo que a série tenha sido lançada alguns meses antes da descoberta do vírus. Portanto, na intersecção da dúvida, da negligência e da busca da verdade, usemos as palavras do próprio Legasov: “já temi o preço da verdade, mas agora apenas pergunto, qual é o preço das mentiras?”.
Chernobyl (EUA/Reino Unido, 2019). HBO.
Direção: Johan Renck
Roteiro: Craig Mazin
Elenco: Jessie Buckley, Jared Harris, Stellan Skarsgård, Adam Nagaitis, Emily Watson. Paul Ritter, Robert Emms, Sam Troughton, Karl Davies, Michael Socha, Laura Elphinstone, Jan Ricica, Adrian Rawlins, Alan Williams, Con O’Neill, Douggie McMeekin, Nadia Clifford, David Dencik, Gerard Kearns, Mark Lewis Jones, Adam Lundgren, Michael Shaeffer, Jamie Sives, Ron Cook, Povilas Jatkevicius, Jay Simpson, Joshua Leese, Ross Armstrong, Paulius Markevicius, Billy Postlethwaite, Ralph Ineson, Baltasar Breki Samper, Barry Keoghan, Philip Barantini, Amanda Drew, Oscar Dyekjær Giese, Karolis Kasperavicius, Cait Davis, Darius Petkevicius, Donald Sumpter.
Duração: 5 episódios com cerca de 65 min.
Trabalho produzido para Narrativas Seriadas, do curso Cinema e Audiovisual.