Como American Horror Story repopularizou a antologia na televisão contemporânea

Por Luís Machado.

Foto/Divulgação: FX

Goste você ou não, Ryan Murphy pode ser considerado um gênio da televisão norte-americana. Conhecido pela sua ousadia nas abordagens temáticas, sua versatilidade incomparável e seus inúmeros trabalhos icônicos, certamente ele se consagra como um dos maiores showrunners da contemporaneidade. Dito isso, a capacidade de se reinventar a cada projeto se mostra o seu maior atributo.

Mesmo após o estrondoso, porém quase improvável, sucesso de Glee, uma série musical (um gênero raríssimo na TV), Murphy se propôs a inovar ainda mais, quando retornou com um formato pouco utilizado na década anterior: a antologia. 

Claro, o escritor e produtor não inventou roda alguma ao trazer diferentes histórias que se iniciam e se finalizam em um único fragmento de uma estrutura narrativa maior. Um exemplo disso é a renomada Twilight Zone, obra também responsável por retratar incontáveis contos distintos dentro do âmbito do surrealismo e do terror. Contudo, se dá como um fato a capacidade que American Horror Story teve de prender uma audiência significativa, temporada a temporada, mesmo com temas que, embora estejam no mesmo universo do horror, são inteiramente únicos entre si. E como se não bastasse com assuntos difíceis de digerir, sejam pelo teor polêmico ou pela repulsa que as cenas mais gráficas do programa sempre acarretam. Outros exemplos de antologias bem-sucedidas que vieram em seguida foram True Detective e Fargo.

Ainda que na Era de Ouro da TV a antologia fosse extremamente popular, para muitos espectadores do começo da década passada tal estrutura se apresentava como algo moderno e original, num contexto onde grandes histórias contínuas e séries procedurais dominavam. Segundo o presidente da FX, John Landgraf: “American Horror Story revolucionou o formato moderno de séries limitadas (…). Cada novo capítulo é um evento cultural, amado por suas reviravoltas, estilo, elenco e trama”. 

Auxiliada por jogos de câmera poucos vistos em produções seriadas e cinematografias mórbidas e asquerosas demais para uma programação lotada de sitcoms de comédia doces e joviais, American Horror Story conquistou milhares de pessoas logo na primeira temporada (Murder House). Ao levar-se em conta a sua estética extremamente popular na Internet, o terror na televisão voltou a ser corriqueiro, ajudando na formação de outros sucessos, como The Walking Dead.

Além disso, algo que constantemente se evidencia ao longo das dez temporadas é o poder de atuação dos seus integrantes mais frequentes. Mesmo dentro dos moldes antológicos, Ryan Murphy sente um visível apreço em repetir os seus atores mais queridos no decorrer os seus trabalhos, hábito bastante usual para showrunners. Há repetição de atores até mesmo dentro das próprias temporadas, em papéis diferentes. É algo que beira o gênero teatral, como se fosse uma trupe, mas numa série televisiva.

Entre eles, a prestigiada Jessica Lange, que mesmo com uma carreira consolidada no Cinema, se rendeu ao imaginativo e libertador mundo da Televisão. Além dela, Sarah Paulson, Kathy Bates e Evan Peters são outros nomes que se dão muito bem com os desafiadores personagens do seriado, estejam eles em posições de vítimas indefesas, criaturas deploráveis ou serial killers irrefreáveis.

Mas afinal, American Horror Story se trata apenas de um compilado de narrativas de horror que se passam nos Estados Unidos? A grosso modo, sim. No entanto, o subtexto de suas tramas é muito mais complexo do que isso.

No instante em que explora variados aspectos da cultura estadunidense, revisita uma série de acontecimentos chocantes da história do país e valoriza figuras importantes do folclore americano, Ryan Murphy cria uma identidade própria para a sua série, evitando transformá-la em só mais um exemplo genérico do terror. 

Nenhuma obra se sustenta exclusivamente pelo seu choque visual e isso se prova no texto de seus episódios, que sempre revelam o que há de pior dentro de cada ser humano e exploram características inerentes a sociedade norte-americana, como ganância, fanatismo e aversão. Existe sempre um certo teor dramático, no qual anda de mãos dadas com os grafismos sobrenaturais de cada cenário, seja ele uma casa mal assombrada ou um show de horrores.

Além disso, trilhas sonoras imersivas se adaptam ao tema da temporada. Por exemplo, Asylum, que se passa nos anos 60, tem muito o uso de coros de igreja, músicas clássicas e canções radiofônicas típicas da época. Já em 1984, há uma predominância de hits oitentistas e sintetizadores. A direção de arte, os figurinos e as maquiagens da série também sempre saltam os olhos. Os diferentes tipos de uso de câmera vez ou outra se inspiram no estilo documental ou então o chamado Found Footage – obras audiovisuais que simulam documentários e são filmadas com simples câmeras de filmar, normalmente associadas ao terror, como no caso da sexta temporada.

Entretanto, obviamente, nem sempre há êxito em contar histórias completamente bem estruturadas e coesas. A falta de foco narrativo, a dificuldade de escrever finalizações coerentes e as extravagâncias cansativas de Ryan Murphy, como escolhas de direção e roteiro que ultrapassam o limite do estiloso e se tornam fora do tom e forçadas, são defeitos quase consenso entre sua audiência. Consequentemente, ao longo dos anos, um maior número de temporada medianas ou de qualidade questionável surgiram. De toda forma, isso jamais retira o mérito da fineza das duas primeiras temporadas e das joias raras e de aspecto totalmente renovado que o produtor tira da manga ocasionalmente, como no caso da irreverente Roanoke.

Ou seja, por mais que tenha tido os seus altos e baixos, American Horror Story gerou um impacto inegável na televisão estadunidense e no modo de se produzir antologias, o que possibilitou a vinda de outras produções como The Haunting, de Mike Flanagan e o renomado spin-off, American Crime Story, do próprio Ryan Murphy.

Uma História de Horror Americana (American Horror Story| EUA, 2011 – 2022) FX.

Criação: Ryan Murphy, Brad Falchuck

Produtores executivos: Dante Di Loreto, Ryan Murphy, Brad Falchuk, Tim Minear, James Wong

Elenco: Jessica Lange, Connie Britton, Evan Peters, Sarah Paulson, Denis O’Hare, Frances Conroy, Dylan McDermott, Lily Rabe, Lady Gaga, Kathy Bates, Angela Basset, Taissa Farmiga, Emma Roberts, Zachary Quinto, Finn Wittrock, Wes Bentley

Duração: 10 temporadas (série ainda em andamento). Entre 9 a 13 episódios por temporada – 50 minutos em média cada episódio.

Trabalho produzido para Narrativas seriadas, do curso Cinema e Audiovisual

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