Brasil acima da liberdade e Deus acima da democracia?

O presidente provocou aglomeração com pessoas sem máscaras em meio ao pior momento da pandemia no país

Por Deborah Dietrich, Julia Portilho e Letícia Anacleto.

“A minha força vem de Deus. Se alguém acha que um dia abriremos mão da nossa liberdade estão enganados”. Essa foi a frase usada por Jair Bolsonaro para iniciar seu discurso de aniversário de 66 anos. No auge da pandemia de Covid-19, o presidente da República promoveu, no dia 21 de março, uma aglomeração em frente ao Palácio do Planalto para agradecer aos presentes e manifestar suas perspectivas sobre a situação política do país.

Não é difícil perceber o teor autoritário e contraditório do presidente em suas primeiras palavras do discurso. “Não abriremos mão desse poder que vocês nos deram por ocasião das eleições de 2018”, reafirma Bolsonaro, que parece se esquecer que governa um país democrático, que funciona por meio das eleições presidencialistas e do voto popular. O líder prefere encarar o poder adquirido com o cargo de presidente como ilimitado.

Mesmo com uma narrativa ditatorial, o público reage de uma forma submissa, prometendo a reeleição cegamente e demonstrando uma admiração romântica: “Eu te amo!”, exclama um apoiador. Por meio dessa realidade, é perceptível que o fanatismo bolsonarista demonstra uma lealdade fervorosa à autoridade do “Messias”, que atrai seus seguidores ao oferecer uma imagem de um homem sincero, patriota e cristão.

Tendo em vista o comportamento e a reação dos simpatizantes do presidente em seu discurso de aniversário, é importante destacarmos a centralidade da opinião pública nesse contexto. O conceito parte da noção de uma sociedade civil diferenciada do Estado, que apresenta um conjunto de ideias comuns. Bolsonaro, através dos seus discursos, tenta orientar os rumos da opinião pública que, em partes, o apoia. Os bolsonaristas tendem a acreditar apenas na “verdade inquestionável” proferida por seu presidente, mesmo que signifique ignorar e desprezar fatos comprovados cientificamente e dados divulgados por autoridades nacionais e internacionais.

Com a ausência de uma justificativa lógica e racional, Bolsonaro apela para o abstrato e particular, buscando comover o público, por exemplo, através da identificação religiosa. Por meio de frases como “enquanto eu for presidente, só Deus me tira daqui” e “eu acredito em Deus e em vocês também”, o presidente comprova a predominância de uma ideologia cristã. Dessa forma, há uma sequência de menções inapropriadas à religião, com vistas ao fato de ser um discurso fundamentalista proferido pelo líder do Poder Executivo. Ademais, o uso constante do termo “vocês” em sua fala demonstra como ele usa da ferramenta de dar crédito a seus apoiadores para garantir sua comoção e concordância.

Ao mesmo tempo que o presidente justifica a sua fala por meio da religião, há uma mesclagem com um discurso racional do liberalismo: “o trabalho dignifica o homem e a mulher, ninguém quer viver de favor do Estado, quem vive de favor do Estado abre mão da sua liberdade”, reforça.

Bolsonaro preserva alguns fundamentos do liberalismo econômico, como a redução da burocracia, a redução das leis trabalhistas e as privatizações. Ainda, ao atacar a mídia, negligenciar os Direitos Humanos e flertar com figuras do período ditatorial no Brasil, o presidente reafirma suas tendências autoritárias.

Fora sua admiração pelo autoritarismo, Bolsonaro cria uma perspectiva dual entre o bem e o mal, em que ele está do lado da “bondade”, propondo que exista um “lado do mal”, constantemente reforçada por uma “ameaça comunista”. No discurso do dia 21, o presidente confirma essa dualidade ao dizer que “nós (governo) vamos vencer essa batalha, pode ter certeza que nós estamos no lado certo, no lado do bem”.

O socialismo é muito usado em discursos do chefe de Estado para justificar o perigo que o país corre, quando, na verdade, a ameaça sequer existe. No sistema capitalista, predominante no mundo atual, prevalece a busca constante pelo lucro e pela acumulação de capital, que se manifesta na forma de bens e dinheiro. Em contrapartida, a vertente socialista luta por uma sociedade na qual os recursos econômicos estejam sobre o controle das classes trabalhadoras, na defesa de que a sociedade tenha uma gestão que busque promover a igualdade entre todos.

Ao notar que as argumentações de Bolsonaro se baseiam em aspectos subjetivos e sem fundamentação prévia, o discurso bolsonarista se mostra pautado em uma infraestrutura de mentiras e de estimativas perversas e imaginárias. Com a devoção dos apoiadores do atual governo, a sensação de medo causa uma reação de reprodução de discursos inconsistentes, explícitos nos gritos retumbantes: “a nossa bandeira jamais será vermelha”.

As alunas são graduandas do 5° período de Jornalismo pela PUC Minas.

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