BE OFFICELESS NO INSTAGRAM: UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE AS REPRESENTAÇÕES ADOTADAS PARA O INCENTIVO AO TRABALHO REMOTO

Por Renata Medeiros Ferraz.

A pandemia da Covid-19 trouxe um forte impacto social e econômico para a sociedade global e transformou diversos setores, modificando inclusive as relações de trabalho. Com as medidas de lockdown [1] para o contingenciamento da doença, adotadas em diversos países, empresas se viram obrigadas a fechar os seus escritórios e a colocar todos os empregados atuando de suas casas (home office). A partir desta experiência, o trabalho remoto teve um crescimento exponencial, fazendo com que as organizações buscassem se estruturar para lidar com os desafios e possibilidades deste formato de trabalho (BUFFER, 2021; GITLAB, 2021; MICROSOFT et al., 2020).

Neste contexto, as empresas que já atuavam remotamente conseguiram evoluir em aspectos culturais, processos e tecnologias. Foi o caso da Startaê, startup brasileira que desenvolve produtos digitais e apoia outras startups e empresas a desenharem experiências digitais para seus clientes e consumidores. A Staritaê foi criada em 2012, sem a montagem de escritório, e em 2017 deu início ao Movimento Be Officceless, que busca apoiar organizações a estruturarem modelos de trabalho predominantemente remotos, treinando e capacitando lideranças para a gestão de equipes que podem estar alocadas em diferentes estados ou países (OFFICELESS, 2021; STARTAÊ, 2021).

Este texto propõe uma análise crítica das representações adotadas pelo Movimento Be Officeless em sua conta no Instagram, buscando compreender as abordagens utilizadas para o incentivo a uma cultura do trabalho remoto, à luz de estudos desenvolvidos nos últimos três anos sobre o tema. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica dos temas trabalho remoto, crítica de mídia, comunicação, interação, cultura e representação e a análise de conteúdo das publicações realizadas pelo perfil @beofficeless no Instagram.  O recorte temporal que orientou o estudo, compreende dois ciclos: novembro e dezembro de 2021 e fevereiro e março de 2017.  

Este texto é uma versão reduzida de um artigo mais amplo e se restringe a apresentar os principais dados que confirmam a hipótese de que o perfil @beofficeless no Instagram utiliza representações que associam o trabalho remoto ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional, à liberdade, à escolha, satisfação pessoal e ao propósito. Embora sejam apresentadas questões críticas que envolvem o trabalho remoto nas publicações, elas estão sempre associadas ao fato das lideranças ou organizações não dominarem processos de gestão no formato remoto e híbrido; os tensionamentos nunca estão associados às limitações apresentadas por este formato de trabalho.

O Movimento Be Officeless no Instagram em dados

A amostra correspondeu ao total de 43 postagens, sendo que 35 foram realizadas no ciclo de 1º de novembro a 15 de dezembro de 2021 e 8 foram realizadas no ciclo de fevereiro a março de 2017. A análise de conteúdo foi estruturada buscando responder à seguinte pergunta de pesquisa: quais representações o Movimento Be Officeless utiliza em sua conta no Instagram com o intuito de incentivar a cultura do trabalho remoto? Embora o Instagram seja uma plataforma voltada à publicação de fotos e vídeos, foi possível observar que o perfil @beofficeless se comunica com os seus seguidores prioritariamente por meio da utilização de textos e letterings, o que ocorreu em 83,7% das publicações, considerando os dois ciclos. A utilização de conteúdo em vídeo esteve presente em 16,7% das postagens. A utilização de algum tipo de imagem esteve presente em 53,5% das publicações, sendo que houve registro de um percentual de 30,2 % de uso de ilustração e de 27,9% de fotografias.

            Quando observamos os temas principais das publicações, a defesa da causa esteve presente em 44,2%, conteúdo informacional orientando sobre condutas mais adequadas no trabalho remoto e solução para problemas do dia a dia em 18,6%. As postagens promocionais com chamada para inscrição em cursos alcançaram 23,3% do total analisado. As postagens de relacionamento com interação ativa com os seguidores 2,3% e as que apresentavam informações de mercado, 11,6%.

Análise crítica sobre as representações adotadas pelo perfil @beofficeless

            É interessante observar que o Movimento Be Officeless nasce de forma original e bem antes da revolução global causada pela pandemia que resultou na projeção do formato de trabalho remoto. Sua origem está calcada na crença de que é possível trabalhar de qualquer lugar e desta forma ter mais liberdade na conciliação das rotinas pessoais e profissionais.

O Movimento Be Officeless utiliza a mídia Instagram, que é voltada principalmente para a publicação de fotos e vídeos, mas a maioria das suas postagens utiliza representações textuais que fazem alusão à flexibilidade, acesso ao lazer e equilíbrio entre trabalho e vida privada para defender o trabalho remoto. O uso de imagens e ilustrações é pontual e sempre associado aos textos. As imagens costumam apresentar símbolos de praia ou natureza, quando se referem ao trabalho remoto; ou apresentam o ambiente do escritório associado ao aprisionamento e limitação, quando fazem menção ao formato de trabalho presencial.  Elementos como cadeiras de praia, dardos, bicicletas, mesas e cadeiras de escritórios, celulares, relógios, nuvens, balões e estátuas totalizaram 2,3% de aparições cada. O elemento imagético que mais apareceu foi o computador, com 7% de aparições.

            A narrativa construída no perfil @beofficeless propõe que o trabalho remoto é sempre a melhor escolha, a que permite flexibilidade, liberdade, sentido, conexão com o propósito e felicidade. A análise dos dados apontou que em 69,8% das postagens foram apontados problemas e para 55,8% delas foram apresentadas soluções para os problemas. Mas os problemas sinalizados pelo perfil nunca dizem respeito ao formato de trabalho e sim à incapacidade ou falta de habilidade da organização ou das lideranças para a gestão no modelo remoto.

Embora o Movimento Be Officeless busque trabalhar representações que reforçam os aspectos positivos do trabalho remoto, como a flexibilidade, convívio em família e acesso ao lazer, pesquisas recentes mostram que a saúde mental dos profissionais tem sido fortemente afetada ao longo da experiência em home office. Pesquisa realizada em abril de 2021 pela Fundação Dom Cabral, C Talks e Talenses aponta que 69% dos profissionais relataram crise de ansiedade. Em 2019, a pesquisa havia apontado 49%. Ou seja, houve um crescimento de 20%. A depressão, que em 2019 teve registro de 24%, em 2021 alcançou 35%. A síndrome do pânico subiu de 10% em 2019 para 21% em 2021 (FERREIRA, 2021, p.7). Entre as principais causas apontadas para o surgimento ou intensificação dos transtornos mentais estavam: medo de perder meu emprego; dificuldade de adaptação ao trabalho em home office; aumento da quantidade de demandas de trabalho e aumento da pressão da gestão (FERREIRA, 2021, p.8).

Outro estudo realizado em abril de 2021 pela Fundação Dom Cabral sobre novas formas de trabalhar, desta vez em parceria com a Yon Business School e Grant Thorton,mostrou que o aumento de produtividade dos profissionais esteve associado à alta carga de trabalho, à piora das relações e à perda de convívio (SALUM, 2021, p.8). No que diz respeito às ferramentas e tecnologias, o comparativo entre 2020 e 2021 mostra que no primeiro ano os respondentes demonstravam confiança na tecnologia, mas em 2021 o perigo real de ataques cibernéticos e fraudes mostrou a fragilidade de alguns sistemas, o que reduziu a confiança (SALUM, 2021, p.8).

Sobre equilíbrio e bem-estar, em 2020 a avaliação do trabalho remoto sinalizou condições de exaustão cognitiva e emocional. Os respondentes também apresentaram expectativas sobre o aprendizado da organização para ceder ou absorver um pouco de controle. Respeitar e preservar a qualidade de vida dos empregados, ter a confiança como paradigma para a avaliação da performance. Necessidade de restabelecer fronteiras entre o pessoal e o profissional (SALUM, 2021, p.8). Em 2021, o equilíbrio entre vida pessoa e profissional ainda é um desafio no trabalho remoto. Embora haja uma adaptação às distrações do ambiente, percebe-se um cansaço e irritabilidade maiores que no ano anterior (SALUM, 2021, p.8).

Os dados nos mostram que o formato de trabalho remoto também apresenta fragilidades e limitações que precisam ser investigadas a fundo e que a adaptação envolve aspectos culturais e geracionais nas organizações. A construção de vínculos no formato remoto ainda é uma novidade e o contexto de pandemia foi marcado por muitos outros aspectos que também contribuíram para afetar a saúde mental das pessoas como a perda de familiares, a perda do emprego, danos à própria saúde e a restrição do convívio com pessoas queridas.


[1] Termo em inglês que significa confinamento ou fechamento total, utilizado para descrever medidas de fechamento de regiões para garantir o distanciamento físico entre as pessoas, reduzindo assim a propagação do vírus.

Renata Medeiros Ferraz é Mestranda do PPGCOM.

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