Até o amor ser bom, ele é tão ruim

Por Júlio Martinez.

André Novais Oliveira é um dos diretores mais promissores do cinema brasileiro contemporâneo. Logo no início de sua carreira, seus filmes tiveram reconhecimento tanto nacional, quanto internacional, como o curta-metragem Pouco Mais de Um Mês (2013), disponível no canal da produtora mineira Filmes de Plástico, que passou na Quinzena dos Realizadores em Cannes. 

Pouco Mais de Um Mês é sobre o início de um relacionamento. Aquele momento em que as pessoas estão se conhecendo e ainda não sabem se podem confiar na outra. Ambos são cautelosos em suas ações, tentam não invadir a privacidade do outro, entretanto às vezes o fazem. Partindo dessa temática, André Novais constrói sua narrativa, utilizando justamente esse estranhamento como um ponto central em seu filme. 

O curta se inicia em um longo plano, com pouquíssima iluminação, em que somos apresentados aos protagonistas por meio de suas vozes. Trata-se de André e Élida. No diálogo, há pistas sobre a falta de intimidade entre dois; o homem se abre um pouco mais, dizendo que estava com vergonha de ligar a televisão; a mulher é educada e diz que ele poderia ter assistido um pouco, para distrair. Após esse momento, somos apresentados à câmara escura, uma peculiaridade do filme. Os dois primeiros planos seguem a mesma lógica: um diálogo dinâmico entre as personagens, em que há troca de intimidades, mas não os enxergamos.

Em um corte, saímos do quarto escuro para um cômodo mais claro, onde podemos ver, finalmente, André, em um plano mais próximo, e Élida, mais afastada e de costas. A partir desse momento, toda a dinâmica anterior é descartada. No lugar de um diálogo ativo, agora há longos planos do casal, sem falas. Um não sabe agir direito com o outro; beijam-se, mas a ação é desengonçada. Élida parece estar mais na defensiva. André tenta furar esse bloqueio ajudando-a com a pulseira, mas a parceira rejeita bruscamente, fazendo com que o rapaz resolva ir embora. Ela tenta fechar a porta do apartamento, porém são necessárias várias tentativas até, finalmente, conseguir.

Em relação a imagem, os enquadramentos escolhidos potencializam o estranhamento entre as personagens, como na cena em que o casal está no ponto de ônibus. A câmera, anteriormente afastada, se aproxima do casal; no entanto, ela não acompanha o movimento dos personagens. De forma não convencional, mostra-se somente o torso dos jovens, enquanto escutamos o diálogo entre eles. A cena é um dos momentos chave do filme: André descobre que há algo impedindo Élida de se abrir. A maneira mais comum de encenar a dramaticidade dessa revelação seria com o uso de primeiros planos dos personagens. Não obstante, Novais mantém a dinâmica estabelecida no início da obra, na qual a intimidade das personagens se desdobra, para os espectadores, mais pela escuta, do que pela imagem. 

Em Pouco Mais de Um Mês, André Novais retrata o início de um relacionamento, mostrando a construção de uma intimidade no escuro e um estranhamento no claro. Essa fase em que mesmo tendo dormidos juntos, um estranha o outro no café da manhã. E terminamos o filme com a mesma reação de Élida, ao escutar o relato de como André a conheceu. “Que lindo!”.

Júlio Martinez é monitor do CCM e graduando em Cinema e Audiovisual pela PUC Minas.

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