Por Maria Luiza S. Guidugli
Qual o valor de uma vida? Algumas vidas valem mais do que outras? Esses são dilemas enfrentados pelos doze jurados na obra-prima de Sidney Lumet, 12 Homens e Uma Sentença (1957), um dos maiores filmes já feitos na história do cinema mundial.
Doze homens formam o júri que irá decidir se um jovem será condenado ou não à pena de morte pelo assassinato do pai. A decisão deve ser unânime para a condenação ou absolvição. Temos em cena doze personagens completamente diferentes, com suas particularidades e personalidades, mas que são tratados apenas peças do jogo da justiça após entrarem no imponente tribunal. Seus nomes são substituídos por números, do Jurado 1 ao Jurado 12.
A grandiosidade do tribunal abre o filme em uma panorâmica externa de baixo para cima, que mostra a monumental fachada do prédio. Em seguida, mira-se de cima para baixo o interior do tribunal, mostrando como as pessoas lá dentro são pequenas diante do sistema de justiça estadunidense. Comemorações de sentenças são reprimidas pelos guardas. Não é um espaço para emoções, e sim para a razão. Nossos jurados não desenvolvem nenhum tipo de relação uns com os outros.
O júri acontece no dia mais quente do ano em Nova York. A sala é pequena e os ventiladores não funcionam. Todos adentram a sala e vão passeando, conversando, tomando seus lugares à mesa, exceto o Jurado 8, protagonista interpretado impecavelmente por Henry Fonda. Ele se posiciona em silêncio em frente à janela, afastado dos demais. Aqui, já percebemos que ele difere dos outros jurados, o que se confirma quando, após iniciada a sessão, onze declaram o réu culpado e ele é o único que vota pela inocência do jovem. “Bem, tiveram onze votos de culpado. Não é fácil levantar a mão e mandar um menino para morrer sem falar primeiro sobre isso”. Aqui se inicia o conflito.
O contexto histórico desse filme é muito importante. Os Estados Unidos ainda eram um país segregacionista, não apenas com a população negra, mas também com a população latina. Visto que o réu não é um jovem negro, pode-se assumir que é latino, tendo em vista o racismo escancarado do Jurado 10, que diz: “É assim que eles são, por natureza! Entende o que quero dizer? Violentos!”. A reação dos demais jurados rende uma das cenas mais bonitas do filme. Em 1957, ano de lançamento da obra, os EUA estavam iniciando o processo de derrubada da segregação racial, que só viria a ser confirmada em 1964. A escolha de Henry Fonda como protagonista é muito significativa nesse aspecto social. Além de seu inegável talento e histórico de interpretar mocinhos (até então), Fonda cresceu sendo ensinado pelos pais a ser antirracista e a ter senso de justiça, passando esses valores a seus filhos.
A ética e a moral são questões muito presentes no filme, tanto nas discussões a respeito da condenação do réu, como na manifestação das personalidades e, consequentemente, das atitudes dos jurados durante o debate. Há três visões que podem ser observadas nos jurados, principalmente nos Jurados 3 (antagonista do filme), 7 e 10. Com relação ao Jurado 3, a definição de moral e ética pela visão de Kant e Kelsen é a que melhor se aplica: Kant afirma que a razão é que guia a moral e a ética, não podendo deixar que as emoções interfiram. A todo o momento, o Jurado 3 insiste nos fatos apresentados durante o julgamento e os toma como verdade absoluta. Ele critica os demais jurados que começam a considerar uma possível inocência do réu (“Bando de imbecis com coração de manteiga!”). A ironia é que seu posicionamento durante o debate é completamente baseado em suas emoções mais profundas. Ainda na análise Jurado 3, é possível dialogar com Kelsen, que afirma que o Direito se diferencia das demais ciências pelo seu poder de sanção: o Jurado 3 é o mais incisivo na condenação do réu e, consequentemente, na aplicação da sanção máxima, a pena de morte (“Ele tem que queimar! Vocês estão deixando ele escapar pelos nossos dedos!”).
Com relação ao Jurado 7, percebe-se a ideia de Kant a respeito de “pessoa sensível”: ele conhece a moral, mas não a aplica. Desde o início do filme, o Jurado 7 se mostra desinteressado em debater sobre a culpa ou inocência do réu. Ele vota com a maioria para acabar logo com a discussão e ir assistir a um jogo de baseball. Por fim, ao Jurado 10 aplica-se à ideia de moral e ética elaborada por Marx e Engels: a moral e a ética refletem os valores da classe dominante. Logo, em um contexto de segregação racial, a “ética” racista ainda predominava nos EUA, sendo o Jurado 10 um representante dela.
Além das excelentes atuações e diálogos, o filme utiliza muito bem vários recursos técnicos, manejando muito bem plongées e contra-plongées, enquadramentos incríveis, a maquiagem para representar o suor e a exaustão dos personagens, cortes durante os diálogos e câmera fixa nas falas individuais dos personagens. O figurino representa a dualidade dos personagens do Jurado 8 e do Jurado 3 e a escalada da discussão: à medida em que o debate fica mais acalorado, os jurados tiram seus paletós, tanto pela tensão como também por estarem se despindo de suas certezas. A câmera explora muito bem o ambiente da sala do júri, sabendo os ângulos e os momentos certos para deixá-la mais ampla ou mais claustrofóbica. Por fim, o roteiro é fascinante e consegue dar espaço para os doze personagens, nos permitindo conhecer camadas de cada um.
Logo no primeiro trabalho audiovisual, Sidney Lumet nos entrega um filme que, ao mesmo tempo em que é uma aula de Cinema, é atemporal por sua temática. 12 Homens e Uma Sentença é enriquecedor a todos que assistem a ele.
12 Homens e Uma Sentença (12 Angry Men) – EUA /1957
Direção: Sidney Lumet
Roteiro: Reginald Rose
Elenco: Henry Fonda, Lee J. Cobb, Joseph Sweeney, Ed Begley, Jack Warden, Martin Balsam, John Fiedler, E. G. Marshall, Jack Klugman, Ed Binns, George Voskovec, Robert Webber.
Duração: 96 min
Texto primoroso.
Texto primoroso. Concordo!
Filme emblemático.
Uma obra-prima.
Ótimo filme