“NADA”: O manifesto de Gabriel Martins sobre propósito e expectativas

Por: Camila Freesz

(texto enviado para a seleção de monitoria)

Lançado em 2017, “NADA” é um curta-metragem da produtora Filmes de Plástico dirigido e roteirizado por Gabriel Martins. Nesta obra, o diretor ilustra, de maneira semelhante ao seu longa-metragem posterior “Marte Um”, sua vontade de contar histórias relacionáveis e identificáveis com seu público, a partir de uma escolha de tema abrangente, uma fotografia não muito estilizada − para parecer o mais natural possível, mas que, em alguns momentos, parece pouco criativa − e uso de uma linguagem comum e acessível.

O curta começa com a montagem de cenas do cotidiano mineiro ao som da música “Cabeça de Gelo” de Shalon Israel, a qual, após um corte, aparece sendo escutada pela protagonista Bia. A escolha da música é interessante após análise da letra, pois uma possível interpretação da frase “fogo na babilônia” se relaciona tanto com a personagem quanto à temática do filme em geral.

Para o movimento Rastafári, o termo babilônia refere-se ao regime capitalista, um sistema opressor e explorador. Bob Marley, seguindo tal ideia, canta em sua música “Babylon system” o seguinte verso: ‘Babylon system is the vampire, sucking children day by day’ e, nesse sentido, pode-se construir uma conexão entre esse sistema e as práticas das instituições pedagógicas durante, principalmente, à época do vestibular que Bia vivencia.

Quando a profissional chega na sala, interrompendo a aula e com o microfone chiando, cria-se certa antipatia à personagem. Em seguida, ao mostrar a resposta de diversos alunos acerca do curso que querem se capacitar, o diretor expõe a padronização e a pressão imposta aos estudantes, e quando Bia responde algo adverso ao esperado pela mulher, recebe certa aversão de volta. Trata-se de cena muito bem executada, já que a quebra de expectativa não é somente percebida pelo aspecto cultural, mas também construída subconscientemente, a partir da montagem e da edição.

Em vista disso, apesar do contexto sociocultural da protagonista ter relevância, a escolha de retratar essa fase da vida é sublime, pois acompanha diversas questões com as quais o público geral pode se identificar. Alguns exemplos são a preocupação dos pais com o futuro da filha dentro desse sistema capitalista, em que não fazer nada é condenável, e o suposto “mal humor” do adolescente que se sente incompreendido pelas pessoas ao seu redor e sem a sensação de que pertence à sociedade em que vive.

Portanto, apoiado na personalidade forte da personagem principal e no bom ritmo do roteiro, o filme faz o belo papel de contar uma estória aparentemente simples, mas que, em seu subtexto, discute o conceito de propósito e como ele foi apropriado pela “babilônia” a ponto de rejeitar a verdadeira vontade das pessoas.

Ao final, após a pergunta de Bia para a viajante se vale a pena viver fora dessas expectativas – as quais são colocadas pela sociedade, pela escola, pelos pais e outros -, há um convite do curta para a audiência, de tentar resistir a esses padrões e viver a vida que se quer viver.

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