Carta para Além dos Muros

Por Ana Maria Queiroz

Carta para Além dos Muros (André Canto, 2019) é um documentário que faz um panorama cronológico e extenso sobre a AIDS e o HIV no Brasil. É muito importante termos acesso a um documentário como este, já que precisamos ter mais discernimento sobre temas de grande relevância humanitária.

O documentário possui uma grande variedade de fontes, abarcando aproximadamente 30 vozes que conhecem a AIDS de maneiras diferentes, tendo como as principais as de Drauzio Varella, do infectologista Ricardo Tapajós, de Lucinha Araújo – mãe do cantor Cazuza, morto pela doença em 1990 – e da primeira profissional da saúde a diagnosticar a AIDS no Brasil, a dermatologista Valéria Petri. O filme nos passa muita informação, mas que são totalmente administradas de forma coesa.

Segundo os depoimentos, o surto de casos da doença ocorreu nos anos de 1980 e 1990. Aos poucos vamos entendendo que o verdadeiro intuito narrativo do documentário é mostrar o estigma e o preconceito que vêm acompanhando a enfermidade desde o início, especialmente por ser vinculada, de forma pejorativa, aos homossexuais e às prostitutas, principais alvos dos olhares depreciativos.  

Carta para Além dos Muros traça uma linha temporal. Para além das entrevistas, também acompanhamos a história de um personagem anônimo que descobriu ser portador do vírus do HIV e que tenta lidar com suas questões internas. O personagem, que tem o nome fictício Caio, possui um discurso que reflete o medo e o preconceito que existem há décadas. Essa estratégia ressalta a potência do documentário, junto com os trabalhos de cenografia e fotografia: o cenário é uma casa de portas abertas com vistas para a cidade, um lugar seguro para que as fontes se sintam à vontade para falar sobre a AIDS.

Imagem: Agência AIDS

O documentário se empenha em oferecer outras discursividades sobre a Aids. Quando se fala de Cazuza, por exemplo, é bem colocado no longa-metragem que ele foi muito mais do que uma vítima da doença; foi o porta-voz de uma geração, abordando-se, assim, outras facetas do cantor. Outro ponto alto do filme são os depoimentos do sociólogo e ativista do combate ao HIV Herbert Souza que, apesar de ser um dos entrevistados chave do documentário, é apresentado um pouco rápido demais, mesmo trazendo importantes pesquisas e dados sobre casos.

Caio Fernando de Abreu, que também foi vítima do HIV, esteve presente de forma poética. O título do filme é considerado uma extensão  do seu livro Cartas. A personagem fictícia do documentário, inclusive, leva seu nome. A obra também passa pela descoberta do diagnóstico. Os momentos mais singelos do documentário refletem o seu encontro com a melancolia, motivada pelo fato de que muitas pessoas ainda sofrem com o preconceito da infecção e com o tratamento da doença. Os depoimentos que cercam os anos mais recentes se defrontam com a medicina avançada, mas pouco acessível, mostrando que ainda há uma epidemia de Aids no Brasil entre as populações de alto risco devido algumas questões estruturais que as privam do direito à saúde. O documentário nos mostra que precisamos falar mais sobre o assunto, evidenciando que é um ótimo início para despertar os interesses da sociedade.

O documentário está disponível na plataforma de streaming Netflix.


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