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Desmatamento: novas epidemias e responsabilidade pública

O desmatamento florestal aumenta as chances de novas transmissões de vírus para humanos, resultando em novas possibilidades de epidemias.

O desmatamento florestal pode aumentar as chances do surgimento de novas epidemias. “Os vírus já estão no mundo e, quando você desmata, faz com que aqueles vírus que estão circulando em outras espécies, como macacos, entrem em contato com os seres humanos”. O alerta é de Marília Sá Carvalho, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), editora associada da PLOS Neglected Tropical Diseases e editora chefe do Cadernos de Saúde Pública.

Ela afirma que a entrada do ser humano em um outro ambiente permite o surgimento de novas transmissões virais, tendo a possibilidade de surgir novas epidemias: O próprio coronavírus é um exemplo. Marília de Sá Carvalho reflete que já se esperava uma epidemia de grandes proporções há muito tempo, que até poderia surgir na Amazônia por causa do desmatamento: “Os vírus estão no mundo, eles têm a capacidade de se adaptar a novas espécies e, dependendo das condições transmissão e imunidade, afetar as populações humanas de forma intensa, eu diria mesmo explosiva.”

Como podem surgir novas epidemias?

Vane Costa é engenheira florestal e do trabalho, e explica como que as novas epidemias podem se originar em através uma interação que não deveria ter acontecido: “Estamos expandindo o meio urbano para a floresta, invadindo o habitat de animais silvestres que precisam sobreviver.”

A engenheira florestal exemplifica que essas interações propensas à novas epidemias se originam do desmatamento: “Quando colocamos uma criação de porcos, por exemplo, embaixo de um árvore que tem morcego, eles podem se alimentar – não propositalmente – de fezes desses morcegos, ou de restos de frutas e acabar desenvolvendo uma doença que, eventualmente, passa para os humanos. Ou os próprios tratadores podem desenvolver doenças ao ir limpar o local. São doenças que já estão na floresta e ninguém conhece ainda.”

Vane Costa também tem um canal no Youtube onde produz conteúdo sobre divulgação científica, curiosidades da área ambiental e literatura. Ela reflete sobre como o homem está invadindo não só florestas, mas também cavernas e afirma que existem bactérias que estão escondidas nesses lugares, sendo liberadas: “O ser humano está entrando nessas cavernas, praticando, por exemplo, a mineração. Isso pode liberar bactérias que nem sabemos do que são capazes.” 

Arboviroses

Arboviroses são doenças causadas pelos arbovírus. As principais arboviroses localizadas no Brasil estão muito adaptadas ao mosquito Aedes aegypti: dengue, zika, chikungunya e febre amarela. Segundo Marília de Sá Carvalho, o Aedes aegypti é um mosquito intradomiciliar, que se reproduz em quaisquer reservatórios domésticos, de garrafas pet a caixas d’água, tudo muito próximo ao ser humano.

Apesar de o foco estar na pandemia atual que vivemos, a dengue e outras arboviroses presentes no Brasil não desapareceram e devem nos manter em alerta. A dengue está relacionada com variáveis meteorológicas que se intensificam com as mudanças climáticas em curso: “Ela está indo para o sul porque estamos tendo o aquecimento global, e isso ajuda na proliferação de doenças”, afirma Vane Costa.

Acesse o boletim epidemiológico de dengue, zika e chikungunya em Minas Gerais aqui.

Queimadas no Pantanal: quando o bioma pode se recuperar?

A área queimada no Pantanal já passa de 2,3 milhões de hectares, sendo 1,2 milhão em Mato Grosso e mais de 1 milhão em Mato Grosso do Sul. Para especialistas, serão precisos mais de 20 anos para que a região se recupere: “Primeiramente, precisamos ter uma pausa no fogo. Precisamos de um governo que tome uma atitude. Se continuar nesse nível de queimada, é possível que as perdas sejam permanentes”, lamenta Vane Costa. 

“O Pantanal é um bioma muito sensível, muito único. Ele sofre influência da Mata Atlântica, do Cerrado e da Amazônia. É o nosso menor bioma em extensão, é uma área que precisa de atenção.”

– Vane Costa

Sem dúvida, as queimadas permitem a extinção de animais. Segundo Vane Costa, o Cerrado, por exemplo, tem uma fauna que acaba se adaptando ao fogo, o que não é o caso do Pantanal: “O Pantanal não tem essa adaptação, são animais que não sabem o que fazer em meio às queimadas.” – daí as imagens aterradoras de onças e outros animais com as patas queimadas. 

Em relação à flora, no Cerrado, a dinâmica do calor faz parte do ciclo de reprodução: elas precisam que o calor passe por elas e brotam com a chuva. Isso também não acontece com o Pantanal: “Plantas e flores no Pantanal não precisam desse tipo de experiência para brotar, então, não sabemos o quanto se perdeu de flora do Pantanal. É necessário esperar esse período de fogo passar para fazer esse levantamento.”

Negacionismo científico

Vane Costa afirma que o governo não apoia causas ambientais e fecha diálogo com a sociedade civil, debatendo apenas com pessoas com interesses financeiros, que não se preocupam com a preservação do meio ambiente. Além disso, existe uma inversão de narrativas: “Colocam a culpa das queimadas em indígenas e ONGs, que sempre lutaram para que o meio ambiente fosse pra todo mundo”, pontua.

“Eu tenho conversado com o pessoal do Ibama e eles estão extremamente abatidos porque não conseguem trabalhar, é um assédio moral, porque o Ricardo Salles proibiu a comunicação dos funcionários do Ibama com a imprensa.” 

– Vane Costa.

Para Marília de Sá Carvalho, o  negacionismo científico não só nega que exista tais problemas ambientais, há outras consequências: “É uma atitude que ativamente induz a população a achar que aquilo não é importante”, lamenta

A ciência nas políticas públicas

A TV UFMG transmitiu no dia 29 de setembro o UFMG Talks “Entre a preservação e degradação: Brasil e seus extremos”, no qual onde os professores Raoni Rajão e Britaldo Soares foram recebidos para falaram sobre preservação ambiental, agronegócio e sustentabilidade.

Raoni Rajão apresentou seus dois pontos para entender as diferentes formas de compreensão com que se trabalha com a interface entre ciência e política pública, ou seja: as formas como em que a ciência pode contribuir para a tomada de decisão no âmbito público junto ao Estado, especialmente em relação a temas ambientais. Existem duas grandes modalidades para ajudar a enxergar a ciência na política pública:

  • Evidence-based policing: a política pública baseada na ciência – se diz respeito à criação de conteúdo e de dados que contribuam para criar e moldar uma política pública, a fim de torná-la mais efetiva.
  • Policing-based “science”: a ciência baseada na política – onde já existe uma ideia de política pública e o governo busca um autor ou uma entidade que repita o que ele já quer fazer. É utilizada para justificar uma posição indefensável.

Os pesquisadores comentaram que existe uma busca, por parte do governo, por uma ciência que corrobore com uma narrativa já existente – não necessariamente, uma ciência baseada em evidências.

Um levantamento apresentado no último UFMG Talks por Raoni Rajão sobre a história do Cadastro Rural Ambiental é que o Ibama possui cerca de mil e quinhentas multas pela modalidade remota: “E pela análise do Código Florestal do último artigo da Science é indicado que são dezenas de milhares de imóveis rurais que desmataram.” Raoni Rajão afirma que existe uma condição política que media a relação entre a criação de uma ciência e efetivamente transformar aquilo em política pública. 

Clique aqui para a assistir a transmissão na íntegra.

Júlia Dara

Terceiro período de jornalismo, apaixonada por cultura e produção de conteúdo digital.

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