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Barragem de rejeitos. Foto: Ibram

Chuvas aumentam riscos de rompimentos de barragens

Exigências de boas práticas mineradoras por órgãos internacionais podem aumentar segurança para pessoas e meio ambiente

Com a chegada das chuvas, aumentam os riscos dos rompimentos de barragens. De acordo com Julio Cesar Nery Ferreira, engenheiro de minas e Diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), na medida em que as chuvas se intensificam, as águas penetram e encharcam os solos, chegando até as represas com rejeitos, aumentando seu volume e provocando o galgamento (transbordamento).

Outra consequência é a forte infiltração de água na estrutura das barragens, dissolvendo partes sólidas de sustentação, o que, tecnicamente, chamam de erosão de cisalhamento. Estas são condições de riscos aumentadas para possíveis casos de rompimentos de barragens das minas com rejeitos em tempos de chuvas constantes como as que se registra nos meses de novembro, dezembro e janeiro na região sudeste do Brasil.

Horrores que teimam em não ir embora

Moradores de Córrego da Mina do Feijão (Brumadinho), de Pompéu (Sabará) e Gongo Soco (Barão de Cocais), na região central de Minas Gerais, têm passado noites em claro assustados com riscos de rompimentos de barragens em função dos constantes alertas das sirenes. Como se já não bastasse o “deita e levanta” frequente, noite e dia, pessoas reclamam que, na maioria das vezes, esses incômodos vêm de alertas falsos.

Os sustos e a barulheira chegam a qualquer hora pelas potentes caixas de som das mineradoras, com recados somente para funcionários em operação, e não para as demais pessoas que habitam as localidades.

Estávamos dormindo quando a sirene da mineradora soou fortíssimo, por duas vezes, e pulamos da cama correndo para a parte alta de montanha próxima. Logo em seguida veio uma voz altíssima do alto-falante dizendo que era só um teste, mas aí o sono já era”

Edmundo Correa, morador do povoado de Pompéu, em Sabará (MG), falando ao Colab no último dia 6 de novembro.

Em novembro de 2015, o rompimento da barragem com rejeitos de minério da empresa Samarco – Vale BHP Billiton, em Mariana (MG), formou uma imensa enxurrada de lama que devastou comunidades inteiras, ceifou vidas, destruiu casas, poluiu rios e acabou com a vegetação, comprometendo tudo por onde escorria, por mais de 400km de distância até a chegada das águas sujas nos mares do Espírito Santo.

Pouco mais de quatro anos depois, antes de qualquer chance de recuperação desse impacto violento, outra tragédia da mesma natureza, porém, de dimensão ainda maior e de impacto mundial, voltou a acontecer. Desta vez, foi em Brumadinho, também em Minas Gerais, que outra barragem da mesma mineradora Vale se rompeu e matou 270 pessoas (há ainda quatro desaparecidos).

Estas catástrofes passaram a atormentar pessoas que moram ou trabalham nas proximidades de áreas de mineração ou estão situadas em qualquer ponto abaixo das represas para rejeitos ao longo dos últimos sete anos. Mesmo que o tema esteja frequentemente presente nas discussões técnicas e administrativas de autoridades e sejam sempre pautados pela imprensa, o pesadelo está longe de acabar. Além da triste e recente memória dos acontecimentos, ainda são muitas as minas pelo país que tiram o sono das populações e seguem levando mais perigos.

Segundo matéria do jornal Estado de Minas de 10 de outubro de 2022, a população de Barão de Cocais (MG) vive desde março de 2019 em permanente estado de alerta diante da possibilidade de rompimento da barragem da mina Gongo Soco, conforme documento ao qual o Ministério Público teve acesso. A mineradora Vale assume que há deformação no talude norte da mina que, em caso de rompimento, poderá comprometer a estrutura da barragem Sul Superior e provocar a ruptura. Estrutura de classificação de risco nível 3 (alta probabilidade de rompimento), esta barragem possui 85 metros de altura e 5 milhões de m³ de rejeitos, e por medidas de segurança, foram transferidas 400 pessoas da chamada Zona de Autossalvamento para um lugar mais seguro.

Segundo a reportagem, se por acaso uma determinada represa de rejeitos for rebaixada na classificação, do nível mais crítico (3) para o de menor risco (1) de estabilidade, ela ainda assim permanecerá em nível máximo de risco de rompimento e, consequentemente, casos como os de Mariana e Brumadinho são possíveis. A mina da Vale em Barão de Cocais continua com restrição de acesso a pessoas, já que sua estrutura, que se encontra dentro faixa de inundação, em caso de ruptura, será tomada pelos rejeitos. Ela está construída em uma parte acima em relação ao rio (à montante), mais próxima da nascente, e caso se rompa, a Inferior será atingida. A barragem Sul Superior se encontra em nível máximo de emergência, mas segundo a mineradora, ela está em processo de descaracterização ou descomissionamento (quando a barragem deixa de receber rejeitos para se tornar estável) com drenagem do terreno de depósitos e plantio de vegetação em toda a região que antes abrigava os rejeitos.

Mineradoras pouco fazem para evitar rompimentos de barragens

Desde os rompimentos em Mariana e Brumadinho, muito se fala mas pouco se produz de efetivo para que horrores como aqueles não se repitam, exceto por determinações judiciais para indenizações às famílias atingidas e para recuperação ambiental com limpezas e reflorestamento. Não há suspensão de deposição de rejeitos nas represas já existentes, construções de novas barragens continuam em andamento e não há métodos mais seguros e responsáveis sendo implementados.

Culpando a imprensa, a quem chamam de “desinteressada” por muitas vezes noticiar sem ter conhecimentos e embasamentos técnicos sobre o que publicam, mineradoras se limitam a monitorar minas, treinar populações locais para fugas nos momentos de riscos iminentes, cumprir ordens judiciais e recuperar áreas degradadas. Enquanto isso, seguem a todo vapor as aberturas de novas minas, a extração de minerais como alumínio, cobre, ferro, manganês e ouro, e a venda dos minérios tanto para empresas do Brasil, quanto do exterior. Isso tudo sob alegação de que, ao contrário do que se pensa, a mineração explora poucas porções de terras, causam baixo impacto ao meio ambiente, não atuam em área de demarcação indígenas, levam grande retorno financeiro para governos na forma de pagamentos de tributos, melhoram as condições econômicas das pessoas, e seguem inúmeras e rigorosas normas de licenciamento para as atividades, “tudo dentro da lei”, segundo as empresas mineradoras.

Fato é que, não há evolução humana sem a exploração mineral e pouco se fala sobre isso. Muitas vezes o jornalista não se interessa muito pela resposta que virá e sim pela resposta que ele fará”.

A fala é do jornalista e economista João Carlos Firpe Penna, coordenador do curso Mineração para Jornalistas, professor da Universidade Corporativa da Mineração do Brasil (UNIBRAM).

Barragens seguras: possibilidades que vêm de fora

Se um infindável número de pessoas das regiões mineradoras vive em constante terror com riscos de rompimentos de barragens com rejeitos, e se o meio ambiente é explorado e degradado de forma voraz e incontrolável, nestes tempos parece surgir alguma esperança de segurança e paz, não por medidas espontaneamente tomadas pelos grupos econômicos do setor minerador brasileiro. É que a mineração como atividade econômica no Brasil terá que se repensar e se reestruturar para continuar vendendo para os mais importantes centros compradores, como Canadá e Japão, e concorrer em condições de igualdade com países exportadores de minérios, como a Austrália.

Nações importadoras ricas estão exigindo que países exploradores de minérios, como é o caso do Brasil, tenham e sigam manuais de boas práticas de exploração mineral que visem a segurança das pessoas e a proteção do meio ambiente, tudo comprovado através da obtenção de certificações, de forma que, somente assim, poderão vender seus minerais mundo afora. Dentre os selos, podem ser citadas as certificações Fair Trade, da Iniciativa para Garantia de Mineração Responsável (IRMA) e a da TSM (Rumo à Sustentação Mineral).

O autor participou do curso Mineração para Jornalistas, da Universidade Corporativa da Mineração do Brasil (UNIBRAM)

Wilson Carlos da Silva

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