Por André Tolomelli.
No ano de 2016, o cenário esportivo brasileiro sofreu um grande golpe com a perda de 71 vidas na queda do voo 2933, da Lamia, que transportava a delegação da Chapecoense e diversos profissionais de imprensa rumo à Colômbia, onde seria disputada a primeira partida da final da Copa Sul-Americana. O episódio ganhou repercussão internacional e uniu o Brasil em luto, levando a histórica campanha da humilde equipe catarinense ao fim mais inimaginável e triste possível.
Neste artigo, proponho destacar, brevemente, alguns apontamentos feitos em uma pesquisa mais ampla sobre as coberturas realizadas pelas emissoras Globo e SporTV do velório das vítimas deste acidente, observando nas transmissões aspectos verbais e não-verbais que possam ter contribuído para a construção de narrativas em torno da tragédia.
Ao longo das transmissões, pode-se refletir sobre a ética das coberturas em relação à exposição incisiva dos familiares das vítimas, em momentos íntimos e de sofrimento, e na atuação dos jornalistas que noticiaram a morte de amigos e companheiros de profissão. O velório, em si, já demonstrava uma ótica espetacularizada: os caixões foram enfileirados no gramado da Arena Condá, estádio da Chapecoense, e saudados por torcedores que lotavam as arquibancadas enquanto as famílias das vítimas aguardavam, também no gramado, a oportunidade de se despedir de seus entes queridos. Equipes de reportagem estavam presentes não só na Arena Condá, como em outras localidades do país para acompanhar o velório dos profissionais de imprensa que viajavam junto com a delegação da equipe.
Em diversos momentos da transmissão, percebe-se que as câmeras focam na parte de dentro das tendas que abrigavam as famílias no gramado do estádio, mostrando ao telespectador um momento íntimo de luto e tristeza pela perda repentina de um ente querido (como visto a partir do minuto 30 da transmissão da Globo). Os profissionais de imprensa que cobriam a morte de seus colegas de trabalho também tiveram, em alguns momentos, que se recompor durante as transmissões ao vivo que ocuparam boa parte da tarde na programação das emissoras: durante a transmissão do SporTV, o locutor Jader Rocha, designado para relatar os acontecimentos na Arena Condá, se emociona ao falar sobre como é difícil para um jornalista esportivo cobrir um acontecimento tão trágico para o meio. Ele chega a parar de falar por um instante, sendo ajudado pelo comentarista Paulo César Vasconcellos, e se desculpa com os telespectadores (visto a partir de 02:06:00).
No dia anterior ao velório coletivo, o repórter Guido Nunes entrevistou Ilaídes Padilha, mãe do goleiro Danilo, que estava entre as vítimas do acidente, para o SporTV. A entrevista ganhou destaque tanto nas emissoras que cobriam o desenrolar da tragédia no período entre a queda do avião e o velório, quanto na Internet, pelo fato de Ilaídes oferecer a Guido um abraço simbólico, direcionado aos também implicados profissionais da imprensa, que lamentavam suas próprias perdas. A cena foi reprisada durante a transmissão ao vivo do SporTV (a partir do minuto 39).
A conversa de Guto e Ilaídes, em especial, foi capaz de ilustrar o sentimento tanto das famílias quanto dos profissionais que estavam envolvidos naquele acontecimento. A entrevista demonstrou algo como uma quebra de rotina, em que a entrevistada fez uma pergunta ao entrevistador, o levando às lágrimas, mostrando toda a carga emocional que rondava aquela cobertura.
Tanto a cobertura do acidente quanto do velório são objetos de análise interessantes na tentativa de se analisar criticamente a atuação da mídia nesse contexto, permitindo a observação de diferentes elementos que ajudam na construção de sentidos para os espectadores. O trabalho completo busca identificar e analisar outros elementos, e pode ser consultado aqui.
André Tolomelli é jornalista formado pela PUC Minas.