No dia 17 de março, o curso de Jornalismo do Coração Eucarístico recebeu Fernando Rezende, professor da Universidade Federal Fluminense e doutor em Ciências da Comunicação pela USP, para a realização da aula inaugural intitulada “O jornalismo hoje: quando a democracia é branca e a notícia tem muitos lados”.
Na ocasião, o professor foi apresentado pelo diretor da Faculdade de Comunicação e Artes, Mozahir Salomão, quando ambos relembraram seu tempo como colegas na Universidade Católica em meados da década de 80. Aproveitando a deixa para introduzir o tema da aula, Fernando contou sua experiência ao vivenciar o fim do regime militar enquanto ainda era apenas um estudante de jornalismo.
Ele contou como o cenário era repleto de dúvidas sobre o que seria a tão esperada “democracia” e o que significava exatamente dizer que o jornalismo estava a seu serviço. A consideração foi feita perante o fato de que o país se encontrava em um governo opressor por 20 anos; logo, não tinham um referencial de como prosseguir. Para além, ele reforçou o caráter histórico do jornalismo e como este sofre mudanças junto à sociedade que o cerca.
O professor acredita que o ambiente acadêmico da época não estava preparado nem equipado para fornecer a ele e seus futuros colegas de profissão amparo prático para a mudança iminente no país. Essa situação forçou todos a repensar e a buscar alternativas para tamanho desafio, incrementando, ainda, sobre as funções do jornalismo que atravessam o tempo e espaço, com destaque para a produção de alteridade em sua narrativa.
Em sua perspectiva, a “narrativa” é um uma política estética, que deve ser encarada como um lugar de produção de conhecimento e de exposição de mundo, com mecanismos que favoreçam a produção de subjetividades. A partir dessa ideia, a narrativa seria um local onde é formado e se disputa o poder.
Assim, o professor enfatiza a importância de se trabalhar o tema das disputas de narrativas sob dois pontos de vista: a externa e a interna ao jornalismo. A primeira diz respeito à linguagem, aos meios e às tecnologias com que se narra o cotidiano, como documentários e histórias em quadrinhos. Já o segundo, se relaciona com o conceito de alteridade e de seu poder dentro da área, assim como as diversas formas de narração existentes e de se exercer o jornalismo.
O ponto central de sua exposição se concentra na eclosão de novas formas e meios de se narrar hoje a realidade. Ele destaca como a representatividade se tornou mais expressiva após certa democratização das ferramentas para se fazer comunicação, com o surgimento de iniciativas em locais menos favorecidos, como as favelas, e por personagens negligenciados, como os negros. Tal mudança reforçou a necessidade de se rever as narrativas de poder vigentes, de reconhecer como as produções realizadas por quem realmente possui vivência do fato é mais complexa e completa.
Para Fernando, entre os vários desafios atuais dos estudantes e formadores da área do jornalismo, destaca-se a necessidade de encontrar lugar para implementar e espaço para produzir outras formas de narrar. O jornalismo deve ser mais do que uma mera reprodução da fala de fontes, ele não deve só falar sobre o outro e sim com o outro.
Para ele, “a narrativa é onde a ordem não triunfa”, sendo ela e o jornalismo, então, as ferramentas capazes de desarticular a lógica de poder instaurada. É preciso estar atento para não reproduzir dogmas e normas sociais sem fazer a crítica e problematização necessária. Por exemplo, o uso incorreto desses meios é responsável pela manutenção de estereótipos, como a construção da imagem dos árabes e muçulmanos na mídia como pobres e inferiores.
O professor retoma o início da aula ao afirmar que o jornalismo falha com a democracia tão pensada no final da ditadura. Isso pode ser evidenciado pela desconsideração recorrente do meio em que estamos inseridos, ou seja, em um país pobre marcado pela desigualdade social, onde a democracia é branca e os projetos são voltados para quem tem mais força e poder.
A pandemia é um exemplo caricato da inoperância do poder público diante desse cenário. Da mesma forma, a crise do capitalismo no país também colocaria o plano democrático em análise. A pergunta seria: o que o jornalismo tem feito para cuidar desse problema de interesse público?
Em seu discurso de finalização, Fernando salienta a importância de se pensar contra os fatos e reconhecer as ambiguidades e paradoxos que os constituem. Ele reitera também como os jornalistas devem trabalhar contra os estereótipos e as narrativas totalitárias. Afinal, de que democracia estamos falando e que tipo de jornalismo deve ser instrumento dessa democracia?
A aula inaugural contou com a presença expressiva de alunos e professores da faculdade. Por fim, uma roda de perguntas e respostas foi aberta onde muitos, tocados e interessados pelo debate do professor, expuseram suas dúvidas e opiniões ao convidado.