Tatuagem – A Revolução Política do Desejo – Crítica

Por: Raianne Ferreira

Tatuagem é o primeiro longa ficcional dirigido por Hilton Lacerda, roteirista já conhecido por grandes trabalhos dentro do cinema nacional, como Baile Perfumado (1997), Amarelo Manga (2002) e Febre do Rato (2011). Mesclando a efervescência do teatro, o longa mergulha em uma Refice ao final dos anos 70, sensual e inebriante, mas que também enfrenta as repressões e violências da ditadura militar. Lacerda, num lirismo poético e satírico, explora temas como o desejo, a liberdade e a resistência, numa crônica divertida e provocadora, mas ao mesmo tempo sensível e profunda.

No longa, Clécio Wanderley, interpretado pelo ator Irandhir Santos, é o líder da trupe Chão de Estrelas, uma espécie de teatro cabaret na periferia de Recife, onde liberdade e provocação, encontram um espaço para performances ousadas e transgressoras. Certo dia, a trupe recebe a visita do jovem soldado militar Fininha, vivido por Jesuíta Barbosa, que se apaixona instantaneamente por Clécio e dessa relação se inicia uma jornada de autodescoberta e independência, onde Fininha passa a confrontar a si mesmo e os valores repressivos que o cercam, enquanto experiência novas formas de viver e amar.

As encenações teatrais que compõem a narrativa ao longo do filme, são ousadas e satíricas, onde os espetáculos combinam erotismo e deboche, como uma forma de rompimento das convenções e ao conservadorismo que se instalava na época. Para os personagens/artistas da trupe, o palco se torna um lugar onde seus desejos podem ser expressados, onde celebram a liberdade e confrontam as imposições da ditadura e da moralidade com muito humor e sensualismo. O corpo não se torna apenas um meio para expressões artísticas, mas também como uma poderosa ferramenta política. A presença do teatro em Tatuagem, se torna uma metáfora sobre um Brasil marginal que resistiu e lutou por meio de sua expressão plena. 

Há um excelente trabalho na maneira em como as imagens são filmadas e reproduzidas. O filme utiliza de uma paleta de cores intensa, com uma iluminação dramática, que cria ambientes sensoriais e dinâmicos, que transforma os espaços em ambientes quase sensoriais, que emergem o espectador dentro do universo lúdico e subversivo da narrativa. Cada apresentação da trupe é carregada de simbolismos com elementos visuais e sonoros que evocam o caráter festivo e provocante dos cabarets.

A relação de Fininha com sua sexualidade e o desenvolvimento de sua paixão por Clécio é central para a narrativa do filme, servindo como uma espécie de catalisador para sua jornada de descoberta e auto afirmação em um contexto repleto de repressões e normas sociais opressivas. Fininha é apresentado como um jovem soldado, imerso em um ambiente militar rígido e conservador, que lhe impõe uma identidade que não reflete sua verdadeira essência. A atração que ele sente por Clécio não é apenas física, é uma conexão profunda que desafia sua compreensão de amor e desejo. Ao se envolver com Clécio, Fininha é confrontado com a possibilidade de viver sua sexualidade de maneira plena e autêntica, algo que sempre foi negado a ele.

A paixão por Clécio não só o incentiva a se libertar de sua falsa identidade imposta pelo militarismo, mas também o ajuda a confrontar seus próprios medos e inseguranças. Ele aprende que sua sexualidade é uma parte essencial de quem ele é.

Hilton Lacerda cria uma narrativa que é uma celebração da união entre amor, liberdade e fantasia. Tatuagem convida o público a refletir sobre a capacidade que a arte tem em se tornar e proporcionar refúgio em tempos difíceis, onde o amor e a criatividade se entrelaçam em uma dança de pura libertação e festa.

Como Clécio afirma no filme: “Aqui, somos livres para amar e ser quem quisermos”.

Raianne Ferreira é graduanda do 7° período de Cinema e Audiovisual da Puc Minas.

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