Seu Amigão da Vizinhança: Homem-Aranha – Com grandes potenciais, vêm grandes desperdícios

Por Felipe Dias

 

 

 

 

 

 

 

 

“Homem-Aranha, Homem-Aranha, nunca bate e só apanha” nunca foi tão verdadeiro quanto para essa nova série animada do teioso na Disney+, a técnica de animação e o estilo que aqui são usados (os quais alguns podem até considerar um tipo de sucessor espiritual do que foi experimentado na série do Homem-Aranha da MTV em 2003. Não são nenhum primor ou inovadores como os filmes do Aranhaverso da Sony, porém, ainda assim, há algo nessa nova empreitada do aracnídeo nas telas do streaming, produzida pelo mesmo estúdio do aclamado, X-Men ’97. 

Embora o 3D utilizado para animar não seja dos mais belos e seja até mesmo deficitário em vários pontos (haja vista a megalópole Nova York aparentemente calma e desértica em diversas ocasiões de balanço de teia do Aranha ou que os personagens se encontram, como o racha “tranquilo” em linha reta de Nico e Harry contra uma importunadora nas ruas), os traços da animação homenageiam o clássico e primeiro período do Homem-Aranha nas HQs de Stan Lee desenhadas por Steve Ditko, principalmente na aparência de Peter Parker. Fora isso, o que o espectador, especialmente o fã, deve ter em mente ao ir assistir o desenho é que praticamente se trata, para o bem ou para o mal, de um “episódio extra” da série What If… (E Se…), também da Marvel Animation, o braço de animação da Marvel Studios.

Ao contrário dos demais desenhos que tivemos e ainda temos do icônico escalador de paredes ao longo das décadas, esse se apresenta intrinsecamente envolto pelas amarras dos acontecimentos dos filmes do MCU (sigla em inglês para Universo Cinematográfico Marvel), mais especificamente entre Capitão América: Guerra Civil e Doutor Estranho, além de contar com Charlie Cox, Demolidor nas séries, no elenco de voz repetindo o personagem, mesmo não estando no universo “616” (ou Linha do Tempo Sagrada, para quem viu a série Loki). Trata-se de uma “realidade espelho” do MCU onde um evento divergente acontece, mudando rumos de personagens e histórias em relação ao universo principal (basicamente a ideia central dos episódios de What If…), no caso aqui, distanciando o Homem-Aranha daquele que conhecemos interpretado por Tom Holland nos cinemas e mais ainda de sua contraparte regular dos quadrinhos. O que pode irritar tanto fãs mais puristas quanto aqueles que já se sentem saturados das características do MCU e sorriem sempre que sai algo com ar mais diferenciado como Deadpool & Wolverine ou a promessa que está sendo Quarteto Fantástico: Primeiros Passos.

 

 

 

 

 

 

 

 

Comecemos pela abertura, apresentada no primeiro episódio como uma espécie de speed run do descobrimento de Peter de seus poderes e então o nascimento do Homem-Aranha, e com uma boa jogada de recriar capas famosas de HQs ao final. No áudio original, inglês, a música da abertura é… tolerável? Mas, em português, se você, assim como eu, já for um adulto, ávido em não deixar nada da Marvel passar em branco, é um horrível poço de vergonha alheia sem fim disfarçado de um rap medíocre disfarçado de uma remix do tema clássico da abertura do cabeça-de-teia de 1967, capaz de superar o que Tobey Maguire sentiu ao ouvir aquela violinista desafinada tocando o mesmo tema em Homem-Aranha 2 de 2004 (filme inclusive citado numa surra de referências quando Peter e Norman discutem o uso de trítio e do Sol por Otto). Faça um teste, pegue para escutar qualquer rap fan-made do Homem-Aranha no YouTube por canais como 7 Minutoz, ou melhor, a remix em dubstep do tema clássico feito por Sickick ou o cover de GORDIN BONES disponível no SoundCloud e compare com o potencial desperdiçado da música de abertura oficial do Seu Amigão da Vizinhança. Todavia, para compensar, o tema de encerramento e créditos é realmente muito bom. Por que não apenas deixaram essa trilha sonora ou por que a música de abertura do mesmo personagem numa animação da Disney Junior, Spidey e Seus Amigos Espetaculares, é infinitamente melhor são ambas excelentes questões.

Quanto às boas mudanças, posso mencionar Norman e Harry Osborn, tanto na aparência do primeiro como na personalidade do segundo. Primeiramente, eu nunca consegui projetar em minha mente como um Norman Osborn funcionaria exatamente com aquele cabelo clássico das HQs transposto para live-action (o penteado de Willem Dafoe, o personagem na primeira trilogia do Homem-Aranha de Tobey e em Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, nunca foi fiel ao dos gibis, acredito que por um bom motivo), entretanto, transformá-lo num estiloso cabelo afro para um Norman agora negro foi criativamente brilhante para mim. Já a sagacidade criativa em Harry, seu filho, está numa reimaginação verossímil do personagem de como ele seria sendo um rico herdeiro de um empresário famoso nos dias atuais, ou seja, um ostensivo influencer, óbvio! Por outro lado, os dois, juntamente apenas de tia May, são os únicos personagens do imenso acervo clássico de coadjuvantes do núcleo do Aranha num desenho do Aranha… Nada de Mary Jane, JJ Jameson, Flash Thompson e tantos outros.

Com isso, decidiu-se por ocupar as demais vagas de destaque para coadjuvantes dessa história com inusitados e/ou menos conhecidos personagens Marvel por algum motivo, tais quais Finesse, Doutor Estranho e Nico Minoru, quem também foi bastante alterada da personagem que os fãs dos quadrinhos e da série dos Fugitivos se lembram, mantendo-se apenas o seu cerne de ser wiccana e mágica. A mesma falta de estrelato vale para os vilões, que, com poucas exceções como Otto Octavius, Escorpião e talvez o Lápide (aqui a bússola moral do Homem-Aranha, acreditem se quiser), são os desconhecidos que têm vez. Mais impressionante ainda é que nenhum deles o Aranha derrota, pelo menos não sozinho, sendo mais dependente de seus amigos do que Tom Holland jamais foi. É verdade que o aracnídeo se contém, como foi mais notoriamente percebido por Octopus na saga Homem-Aranha Superior, em que o vilão troca de corpo com o herói, espantado ao ver que Peter poderia facilmente ter matado a maioria de sua galeria de criminosos com simples golpes, sem mencionar a vez que, contra todas as probabilidades, o teioso ergueu toneladas de escombros submersos sob os quais estava preso. Contudo, em Seu Amigão da Vizinhança, Peter é fisicamente imobilizado e quase morto por Unicórnio, uma humana forte, mas sem poderes, com capacete de laser, e espancado quase até a morte pelo Escorpião, Mac Gargan, psicótico líder de uma gangue, que, por questões de censura de faixa etária do público, imagino, não utiliza armas de fogo, mas que, quando ganha seu traje, baixa o próprio Scorpion de Mortal Kombat e desce um Fatality no Aranha sem querer nem saber mais de faixa etária (vai entender…). O problema é que Gargan nunca representou esse tipo de ameaça mortal sozinho para o Homem-Aranha, como os jogadores de Spider-Man da PlayStation, por exemplo, bem sabem, sendo o herói inclusive capaz de derrotar Escorpião e o brutamontes Rino ao mesmo tempo, ainda que se contendo.

O produtor da série, Brad Winderbaum, já anunciou que o desenho foi renovado para mais duas temporadas. Resta saber se insistirão no gancho do pai vivo de Peter no final, polêmico e questionável arco nos quadrinhos e, sem dúvidas, o personagem das partes mais desinteressantes dos filmes do Homem-Aranha de Andrew Garfield. Quanto ao gancho de Norman com Venom? Pouco criativo, já que vimos plot similar nos jogos recentes da Sony, tal qual a conturbada relação entre Osborn e Octavius, que agora busca se vingar.

A despeito de todas as inconsistências, a série prendeu minha atenção pelo poder do protagonista, mesmo com muitos dos elementos clássicos e amados tendo sido retirados dele, de ainda assim ser carismático e bem relacionável, valorizando o lado humano sempre mais do que o super-heróico, como originalmente estabeleceu Stan Lee, que é o motivo de nos importarmos tanto não só com Peter Parker, mas também com todos que o rodeiam (qual outra explicação pelo ship que senti entre Harry e Nico senão o bom desenvolvimento do lado humano de todos esses personagens?). Então a essência do herói, embora em menor escala o seu aspecto de superação eu diria, está presente nessa temporada de Seu Amigão da Vizinhança e cativará, sem empecilhos, um público mais jovem com menos bagagem, enquanto levantará diversas ressalvas por todos os outros tipos de pessoas já mencionados anteriormente.

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