POR: Mariana Lemos
No ano em que o hip hop completa 50 anos de vida, são diversas as atividades que têm acontecido ao redor do mundo para festejar a existência dessa cultura que resiste e faz ecoar vozes e histórias que na maioria das vezes não são visibilizadas nos holofotes tradicionais.
Um destes eventos foi o espetáculo artístico, musical e audiovisual “Hip Hop aos 50 anos”, realizado no palco do Sesc Pompeia, em São Paulo. O evento contou com presenças importantes para a história e para a atualidade da cultura hip hop no Brasil, que completa 40 anos de existência.
Durante o espetáculo, conversamos com o rapper e poeta paulistano Rincon Sapiência, conhecido também como Manicongo, como ele mesmo se apresenta em sua música.
Para Rincon o hip hop é um estilo de vida que valoriza a auto estima de sujeitos que historicamente foram marginalizados. Ele fala também da indústria cultural, das influências do hip hop e do rap em outras culturas e gêneros musicais e defende a importância das raízes do hip hop estarem fortalecidas.
No meio da entrevista o rapper, compositor e produtor Thaíde entrou no camarim e também deixou seu depoimento ao Brasil de Fato. Confira a conversa na íntegra:
Brasil de Fato: Boa noite Rincon, prazer demais tá conversando contigo. Queria saber, na tua opinião, o que os 50 anos do hip hop representam para o Brasil e para o povo brasileiro?
Rincon Sapiência: Acho que representa, pra além dos quatro elementos da cultura hip hop, o que foi colocado é que se instituiu um estilo de vida. Então quando você se conecta ao hip hop você se liga em questões raciais, sociais, você passa a ser mais contestador, você passa a querer se atentar e questionar mais as coisas. Você passa a se comportar diferente e esse comportar diferente é o oposto do que a gente foi condicionado a se comportar e pensar. Então todo esse estilo, que parece só uma marra, só um jeitão marrento de ser, mas na verdade tem todo um contexto que surge nas quebradas onde a gente foi condicionado a não ter uma auto estima legal e tal.
Então acho que o hip hop se tornou algo que tá pra além dos adeptos do hip hop. Então eu vejo muitos signos de outros estilos musicais que tem a ver com o hip hop. Eu vejo muito o estilo de cabelo, de roupa, de pessoas que às vezes não consomem hip hop mas de alguma forma estão conectadas. Então eu acho que o hip hop se instituiu de fato na cultura brasileira.
A gente tá no Sesc Pompeia, em São Paulo, onde tá acontecendo um espetáculo de rap, de dança, de arte de rua em homenagem aos 50 anos da cultura hip hop. Na tua opinião qual a importância desse espetáculo pra cultura hip hop e pras periferias brasileiras?
Tem muita coisa legal nesse evento de hoje, mas eu acho que essa diversidade geracional é muito importante. E também a diversidade dos elementos da cultura hip hop. Então o espectador que tá aqui hoje ele tem a oportunidade de conectar com artistas de uma determinada linguagem, de um outro artista que tem muito mais história, mais bagagem, dança, poesia, DJ. Então o fato de ter conectado os quatro elementos da cultura tem deixado esse evento especial né. Inclusive o Thaíde, ele… é zueira!
Thaíde: Só porque eu cheguei né. Desculpa aí me intrometer nesse assunto.
Rincon: E aí, metendo bronca?
Thaíde: Ah, tá ligado né? Daqui a pouco é você hein!
Rincon: Logo menos…
Thaíde: Bom, com licença…
BdF: Se quiser falar com a gente também…
Thaíde: Tem que falar o que? Falar mal de quem aí? Fala aí…
Bora falar de hip hop?
Thaíde: Falar do hip hop é falar da vida né. Falar de salvação, falar de inteligência, de comunhão, de respeito. Falar de hip hop é falar de tudo que é bom e que a sociedade fascista não gosta. Então eu serei hip hop até depois da morte. Quer queira ou não. E Rincon é um grande representante dessa cultura.
Rincon: Ó que moral!
Thaíde: Muito obrigado irmão. “Vamo que vamo que o som não pode parar”. Boa noite e bom trabalho.
Rincon: Daora, é isso! Já vai embora já? Tá bom. Bom trabalho, bom corre!
Thaíde: Pra você também!
Como que você vê, se vê e vê o hip hop no mercado da música e na indústria cultural?
Tem um pouco a ver com o que eu falei anteriormente. Eu vejo os signos do hip hop muito fortes na indústria musical. O hip hop é o que dita a timbragem da música pop, por exemplo, o estilo de cantar, dependendo. Eu percebo que até música sertaneja, em dado momento, traz algum elemento que remete ao trap, por exemplo. E o trap é um estilo de fazer rap, o trap.
Então eu vejo tudo conectado ao hip hop e o que a gente não pode perder é a base. Porque aí o hip hop começa a se tornar muito amplo e outros gêneros, outros segmentos começam a usufruir desses elementos, desses signos do hip hop. Então, se não existir uma base sólida de hip hop essas coisas se perdem.
Aí pode acontecer das pessoas imaginarem e falar “ah esse som, esse estilo de som do mercado é tipo pop, é tipo da Anitta, é tipo da Madonna, da Lady Gaga”, mas se você for pegar na base vem do uso dos graves que tem usado, o 808.
Enfim, eu acho que o hip hop, o rap né, que é um gênero musical que tá na cultura hip hop, é a música mais ouvida no mundo. E, naturalmente, isso influencia todos os outros gêneros musicais. E pra ficar mais legal e mais interessante, isso tem que voltar aos adeptos do hip hop, os artistas de hip hop também precisam usufruir de todo esse sucesso que o mercado vem permitindo e eu acho que em passos lentos isso tem acontecido.
Repostagem da matéria publicada no Brasil de Fato: https://www.brasildefato.com.br/2023/09/15/rincon-sapiencia-o-hip-hop-se-instituiu-de-fato-na-cultura-brasileira