Retorno de Império dá margem para entender porque o Brasil é líder na produção de teledramaturgia mundial

O Comendador José Alfredo Medeiros (Alexandre Nero). Ao fundo, a imagem emblemática do Monte Roraima, palco da saga do protagonista.
Foto: Divulgação / TV Globo

Por Carlos Eduardo Noronha.

O horário nobre voltou a brilhar, como outrora resplandeceu em 2014 sob a luz do diamante cor-de-rosa do Comendador José Alfredo Medeiros. Ontem (12) a Rede Globo voltou a exibir, às 21h, Império – novela escrita e criada por Aguinaldo Silva com colaboração de Márcia Prates, Nelson Nadotti, Rodrigo Ribeiro, Maurício Gyboski, Renata Dias Gomes, Zé Dassilva, Megg Santos e Brunno Pires – no espaço deixado por Amor de Mãe, assinada pela estreante Manuela Dias. O folhetim traz consigo, além do enredo funcional e bem amarrado, uma estatueta do Emmy como reconhecimento mundial ao talento e qualidade brasileiros. 

Imagem das gravações da sequência em que o Comendador leva Maria Clara (Andréia Horta) para conhecer o lugar que deu início à fortuna da família Medeiros.
Foto: Divulgação / TV Globo

Império começou a sua exibição em 21 de julho de 2014 e, definitivamente, foi uma novela diferente das anteriores, ditas contemporâneas do autor. A direção artística, impecável, de Rogério Gomes contribuiu para tal distinção, que trouxe para a telinha uma unidade visual pouco vista anteriormente. A paleta de cores, muito bem definida desde a abertura – ao som de Lucy in the sky with diamonds –, passando pelo figurino até a cenografia, sugere um filtro cromático discreto, agradável aos olhos e coerente com os elementos principais: os diamantes. Os enquadramentos e a sonoplastia somaram-se, sob medida, à construção cênica daquela cuja grandiosidade e imponência tinha necessidade em expressar-se já no título, Império, que substituiu o provisório e pouco chamativo Falso Brilhante

Maria Isis (Marina Ruy Barbosa), a amante do Comendador que, segundo o autor, é a personificação da pureza do primeiro amor não correspondido.  
Foto: Divulgação / TV Globo
Maria Clara, José Alfredo e Cristina (Leandra Leal), a suposta filha do comendador com Eliane (Vanessa Giácomo/Malu Galli), seu grande amor do passado.
Foto: Divulgação / TV Globo

Vale destacar, ainda, o bom texto. Aguinaldo Silva não deixou de lado personagens caricatos, como o jornalista Téo Pereira (Paulo Betti), o mordomo Silviano (Othon Bastos) e Maria Marta Medeiros de Mendonça e Albuquerque (Lilia Cabral), esposa do comendador – que, se por um lado são enfadonhos, por outro caem no gosto popular. Império, como exceção, não deixa margem para monotonia. Tais personagens são funcionais, nada gratuitos: aliviam a tensão de núcleos mais pesados, como o de Orville (Paulo Rocha), um vigarista que explora os talentos de um pintor com esquizofrenia, Salvador (Paulo Vilhena); ou como o do próprio José Alfredo (Alexandre Nero), aquele protagonista típico que veio de baixo e venceu na vida, mas tem de lidar com fantasmas do passado e derrotar inimigos do presente. Além disso, vale destacar as ligeiras aparições da lua cheia que ilumina a troca de olhares entre personagens em momentos decisivos, como lembrança do realismo mágico do autor, marca registrada em outros trabalhos como Tieta (1989), A Indomada (1997) e Porto dos Milagres (2001).

Maria Marta (Lilia Cabral) e Silviano (Othon Bastos), a esposa do Comendador e o mordomo que tudo sabe e tudo vê.
Foto: Divulgação / TV Globo
Orville (Paulo Rocha), um falsário que explora os talentos de Salvador (Paulo Vilhena), um jovem esquizofrênico.
Foto: Divulgação / TV Globo

Império chegou ao fim em 13 de março de 2015, com 203 capítulos exibidos. O reconhecimento? Um Emmy Internacional, recebido em novembro daquele mesmo ano, durante uma cerimônia de gala realizada na cidade de Nova Iorque. É nada mais, nada menos que o prêmio de maior prestígio da televisão mundial, como o Oscar está para o Cinema, o Grammy para a música e o Tony para o teatro. Além do reconhecimento pela obra, representa a força dos profissionais brasileiros e a qualidade da teledramaturgia produzida em nosso país – fato corroborado por mais duas produções terem vencido posteriormente, na categoria “melhor telenovela”. Não que toda obra exibida seja de verdadeira excelência, mas deveríamos prestar mais atenção em algumas, principalmente naqueles que cintilam por entre olhares de admiração. 

Equipe de Império, durante cerimônia do Emmy Internacional. Da esquerda para direita: as atrizes Marina Ruy Barbosa, Adriana Birolli, Josie Pessoa, Leandra Leal, Maria Ribeiro, o ator Caio Blat e o diretor Rogério Gomes.
Foto: TV Globo/ Luiz C. Ribeiro

TRAILER DE IMPÉRIO

Por isso, convido-lhe, caro leitor, a embarcar em uma breve imersão: convido-lhe a conhecer (ou relembrar) os trabalhos brasileiros que levaram a estatueta do International Emmy Award, categoria “melhor telenovela”. Apenas a título de curiosidade, a TV Globo começou a exibir o gênero em 1965, com Ilusões Perdidas, de Enia Petri, mas a premiação para “melhor telenovela” dentro da categoria Dramaturgia só foi criada em 2008 pela Academia Internacional das Artes & Ciências Televisivas (IATAS). 

Glória Perez nos mostra o Caminho das Índias (2009)

Maya (Juliana Paes) e Raj (Rodrigo Lombardi): um casamento arranjado que acabou caindo nas graças do público.
Foto: Divulgação / TV Globo

Quem não se lembra do triângulo amoroso entre Maya, Raj e Bahuan? Ou das danças, roupas, músicas e expressões indianas “Are Baba” e “Namastê”? Bom, foram exatamente esses elementos e costumes que ditaram moda e caíram na boca do povo no ano de exibição da trama de Glória Perez, dirigida por Marcos Shechtman e exibida às 21h. Em novembro de 2009, a atriz, cantora e compositora Katharine McPhee anunciou a novela como vencedora do Emmy. O diretor da trama atribuiu, na época, muito valor ao prêmio e declarou: “Principalmente se a gente pensar num país como Estados Unidos, muito fechado a uma cultura de fora, é extremamente extraordinário o reconhecimento da novela brasileira como melhor novela do mundo”. 

TRAILER DE CAMINHO DAS ÍNDIAS

Janete Clair, a “dama das 8”, homenageada em O Astro (2011)

Dias Gomes, também escritor e dramaturgo, e Janete Clair.
Foto: Reprodução
Herculano Quintanilha (Rodrigo Lombardi), um ilusionista que conquistou o mundo através de seus truques de mágica.
Foto: TV Globo/Alex Carvalho

Em novembro de 2012, foi a vez do ator Marcelo Serrado anunciar a vitória de O Astro, escrita por Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, com direção de Mauro Mendonça Filho e inaugurando a faixa das 23h. A trama, protagonizada pelo ilusionista Herculano Quintanilha (Rodrigo Lombardi), é um remake da consagrada autora Janete Clair, conhecida como “a dama das 8” por ter emendado grandes sucessos nas décadas de 1970 e 1980. “A gente tá muito contente de Janete Clair ser reconhecida internacionalmente. Esse prêmio é dela, com certeza”, comentou Mauro Mendonça, após a cerimônia. 

TRAILER DE O ASTRO

O caldeirão de conflitos e diferenças Lado a Lado (2012) em um Brasil recém-republicano

Isabel (Camila Pitanga) e Zé Maria (Lázaro Ramos): casal marcado pelos desencontros de uma sociedade repleta de preconceitos e segregações.
Foto: Divulgação / TV Globo

Com o samba enredo da Imperatriz Leopoldinense de 1989, Liberdade! Liberdade! Abra as asas sobre nós, como tema de abertura e discutindo temas importantes do início do século XX no Rio de Janeiro, como direitos civis e sociais, direitos das mulheres e racismo, a trama assinada por Claudia Lage e João Ximenes Braga fez história na faixa das 18h. Com direção de Dennis Carvalho e supervisão de texto do veterano Gilberto Braga – dupla que deu origem a clássicos da teledramaturgia, como Vale Tudo (1989) –, a novela não poderia, senão, ganhar o reconhecimento internacional. Vale mencionar que Lado a Lado concorreu com a grande Avenida Brasil (2012), de João Emanuel Carneiro, sucesso de público, crítica, repercussão e vendas. 

TRAILER DE LADO A LADO

O Budismo como uma Joia Rara (2013)

Sonan (Caio Blat), Amélia (Bianca Bin), Franz (Bruno Gagliasso) e Pérola (Mel Maia), a reencarnação de Ananda Rinpoche, sendo reconhecida pelos seguidores do líder espiritual budista.
Foto: Divulgação / TV Globo

Em novembro de 2014, concorrendo com produções de Portugal, Canadá e Filipinas, o enredo de Duca Rachid e Thelma Guedes levou a melhor entre as concorrentes. Dirigida por Amora Mautner e Ricardo Waddington, a história, que se passava na década de 1930, girava em torno de Pérola (Mel Maia), uma garotinha que, na verdade, é a reencarnação de um importante líder espiritual tibetano, Ananda Rinpoche (Nelson Xavier). A novela teve cenas gravadas no Nepal e emocionou o público, na época, no horário das 18h. Infelizmente, um terremoto ocorrido em 2015, no Nepal, destruiu parte dos cenários onde cenas da novela foram gravadas. 

TRAILER DE JOIA RARA

Verdades Secretas (2015): book-rosa, Cracolândia e o outro lado das agências de moda

Camila Queiroz encantou o Brasil e o mundo interpretando Arlete/Angel, uma modelo em início de carreira que logo conheceria o lado obscuro da profissão.
Foto: Divulgação / TV Globo

Concorrendo com duas produções estrangeiras (Canadá e Filipinas) e uma brasileira, A Regra do Jogo (2015), de João Emanuel Carneiro, a trama de Walcyr Carrasco com direção de Mauro Mendonça Filho saiu vitoriosa. Exibida às 23h, o enredo usou e abusou de temas pesados, como drogas, prostituição e aborto, porém muito bem trabalhados em uma simbiose impressionante entre roteiro e direção. A trilha sonora também merece destaque, pois foi fundamental, junto aos efeitos visuais, para dar o tom que as cenas exigiam. Os 64 capítulos exibidos foram de tamanho sucesso que uma segunda temporada da novela está confirmada.

TRAILER DE VERDADES SECRETAS

Imigração e refugiados: a saga dos Órfãos da Terra (2019)

A família de Laila (Julia Dalavia) compunha um grupo de refugiados sírios que tiveram de abonar o país após os impactos da guerra.
Foto: Divulgação / TV Globo

A cerimônia de 2020 foi realizada virtualmente e transmitida ao vivo pelo site da Academia de Artes & Ciências da Televisão. O ator Richard King, apresentador do evento, começou dizendo: “Espero que seja o último Emmy virtual da história”. E, mais uma vez, Duca Rachid e Thelma Guedes levaram a estatueta, com uma trama que colocou em pauta questões dos refugiados e da imigração. Exibida às 18h, contou com direção de Gustavo Fernández. “É muito gratificante saber que uma história que saiu de sua cabeça, de seu imaginário, de sua arte, chegou a tanta gente em tantos lugares diferentes. Vencer o Emmy Internacional, considerado o Oscar da TV mundial, é uma honra e uma responsabilidade enorme”, comentou Thelma. “É muito bom ter o seu trabalho reconhecido. É o momento de celebrar, depois da estiva de fazer uma novela. E dessa vez tem um gosto ainda mais especial, que é saber que nossa história de acolhimento e empatia tem sensibilizado pessoas em todo o mundo”, completou a parceira, Duca Rachid. 

PRIMEIRA CHAMADA DE ESTRÉIA DE ÓRFÃOS DA TERRA

Estatueta do Emmy: a mulher com asas representa a musa da arte segurando um átomo, que simboliza a ciência da televisão.

O reconhecimento é fruto de um trabalho bem feito e da crença assídua naquilo que se está produzindo. E mesmo que se não goste do gênero ou do conteúdo, deve-se reconhecer o esforço inerente em cada produção. O Emmy Internacional pode vir a ter ares de competição, mas parece-me mais prudente observá-lo como difusor de obras: às vezes, elas são grandiosas demais para ficarem restritas às fronteiras dos países de origem. E, nesse sentido, a simples indicação já é uma vitória!

Carlos Eduardo Noronha é monitor do CCM e mestrando em Jornalismo pela PUC Minas.

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