Por João Pedro Diniz

A rivalidade entre Rangers e Celtic transcende o futebol. O clássico de Glasgow, conhecido como “Old Firm”, é frequentemente retratado pela mídia como “a rivalidade mais religiosa do mundo”, e o vídeo do canal Peleja reforça essa narrativa ao explorar o caráter simbólico, histórico e emocional que separa protestantes e católicos na Escócia há mais de um século. No entanto, mais do que um simples duelo esportivo, o confronto entre os dois clubes se transformou em um espetáculo midiático que mistura política, religião, identidade e consumo, uma síntese perfeita daquilo que a comunicação moderna faz de melhor: transformar conflito em narrativa e paixão em produto.
Desde o nascimento dos clubes, no final do século XIX, o Celtic representou os imigrantes irlandeses e católicos marginalizados, enquanto o Rangers se consolidou como símbolo da classe protestante, unionista e fiel à coroa britânica. Essa oposição cultural e religiosa foi amplificada pela imprensa esportiva, que encontrou na dicotomia entre fé e rivalidade um terreno fértil para construir manchetes, documentários e transmissões recheadas de emoção e perigo. O vídeo do Peleja se insere nesse mesmo processo: ao contextualizar a origem do confronto e exibir cenas de arquibancadas e depoimentos, ele reproduz a linguagem clássica do jornalismo esportivo contemporâneo que mistura denúncia, espetáculo e mito. A montagem dinâmica e o tom narrativo de reportagem reforçam a dimensão trágica e quase ritualística do clássico, em que cada jogo é tratado como um reencontro de forças ancestrais.

Entretanto, essa forma de narrar, embora poderosa, também merece ser questionada. Ao classificar a rivalidade como “religiosa”, a mídia frequentemente reduz uma complexa disputa histórica a uma oposição simplificada entre fé e fanatismo. O que está em jogo, na verdade, é uma teia de fatores sociais, econômicos e políticos: desigualdade, migração, nacionalismo e identidade. A cobertura jornalística tende a privilegiar o espetáculo, os cânticos, as bandeiras, os confrontos entre torcedores em detrimento da análise sobre como esses símbolos foram instrumentalizados ao longo do tempo para reforçar divisões. A rivalidade vira produto: um tema que rende visualizações, audiência e cliques. Assim, o que era um conflito social se converte em entretenimento esportivo de alto valor comercial.
Ainda que o vídeo do Peleja procure adotar um tom informativo e equilibrado, o enquadramento escolhido confirma o poder da mídia em definir o que é “identidade” e o que é “tradição”. A narrativa visual com imagens dramáticas e trilha intensa transforma os torcedores em personagens de uma guerra simbólica. Ao mesmo tempo em que desperta empatia, essa abordagem também reforça estereótipos e perpetua a ideia de que o ódio entre as duas torcidas é inevitável. Pouco se discute, por exemplo, o papel das novas gerações de escoceses que tentam ressignificar o clássico, ou os esforços institucionais para combater o sectarismo no futebol.

Essa forma de representação reflete uma tendência mais ampla da comunicação contemporânea: a espetacularização dos conflitos. Em um cenário digital movido por algoritmos e engajamento, narrativas polarizadas e emocionais ganham destaque, enquanto o contexto histórico e a reflexão crítica perdem espaço. O caso de Rangers x Celtic mostra como o jornalismo esportivo se aproxima cada vez mais da lógica do entretenimento não apenas relatando, mas também moldando a forma como o público percebe a realidade. O futebol, nesse sentido, deixa de ser apenas um jogo e se torna um palco onde a mídia encena antigas tensões sociais, vendendo emoção sob a aparência de neutralidade.
Em síntese, a cobertura midiática sobre a rivalidade entre Rangers e Celtic incluindo o vídeo do Peleja revela o poder da comunicação em transformar dor e divisão em narrativa atraente. A crítica que se impõe é sobre a responsabilidade dos meios de comunicação ao lidar com temas tão sensíveis quanto à fé, identidade e história. Mais do que reproduzir o fascínio do conflito, o jornalismo e o conteúdo digital deveriam buscar compreendê-lo em profundidade, promovendo o diálogo em vez de reforçar fronteiras. Afinal, enquanto a mídia continuar tratando a rivalidade como espetáculo religioso, talvez estejamos mais próximos de alimentar o mito do que de entender o homem por trás da camisa.
Referências: Canal Peleja


