Por: Maria Eduarda Batista Santos
Lançado em 2017, o curta-metragem “Peripatético”, escrito por Ananda Radhika e dirigido por Jéssica Queiroz usa da mistura de técnicas, linguagens e analogias criativas para construir uma narrativa com enfoque nos desafios enfrentados por três jovens periféricos que estão em busca de seus sonhos. A palavra que dá título ao filme é originada do grego e significa “aquele que caminha”, ou “itinerante”, e remete a uma escola filosófica fundada por Aristóteles, onde o filósofo e seus alunos ensinam e debatem enquanto caminham. Tal termo caracteriza bem o filme, uma vez que suas personagens, seja através de monólogos ou diálogos, discutem seus medos e perspectivas de futuro enquanto perambulam pelo bairro onde moram. Ao fazer uso de travellings longos, a fotografia acompanha os personagens enquanto caminham e se movimentam, colocando o espectador em sua perspectiva.
O curta acompanha os desafios de três jovens entrando na vida adulta: Simone, que procura um emprego; Thiana, que estuda para o vestibular de medicina e Michel, que, sem saber o que fazer, parece ainda estar preso à infância. Por meio de analogias e uma mistura de linguagens, o filme insere o espectador no ambiente desses jovens, com sequências em animação que remetem aos grafites da periferia, vídeos de caráter jornalístico que introduzem os Crimes de Maio de 2006 (período em que se passa o curta) e flashbacks da infância das personagens.
Inspirado pelo movimento de resistência contra a violência sofrida por jovens durante os Crimes de Maio de 2006, o Mães de Maio, “Peripatético” explicita como é pesado ser um jovem negro na periferia, que, mesmo em um meio de violência, procuram meios de resistir, sobreviver e ir atrás de seus objetivos.
O grande ponto de virada do filme se dá quando Michel, dentro da comunidade, é assassinado por um policial. A sequência passa a mensagem de uma maneira leve, como uma brincadeira infantil: uma criança, com a mesma camisa que usava Michel, é interceptada por outra, vestida de policial. Com uma arminha de brinquedo, o policial atira em Michel, e ketchup é espalhado sobre sua camisa, representando seu sangue. O som de um balão sendo estourado
substitui o som do tiro. Tal analogia escancara a inocência e vulnerabilidade desses jovens dentro do contexto hostil dos Crimes de Maio, em que policiais assassinaram mais de 400 civis periféricos e inocentes, em resposta aos ataques da facção criminosa PCC.
A partir desse evento, o filme vira uma provocação ao espectador. Dentro do contexto de uma entrevista de emprego, em uma sequência executada de maneira similar à montagem inicial do curta, personagens negros encaram a câmera e revelam seus sonhos, frustrações e desafios. Ao final, a personagem de Simone, em frente de seis homens negros com as mãos atrás da cabeça – posição feita por pessoas ao serem detidas por profissionais da lei – se coloca em um papel de resistência contra a violência e as injustiças sofridas por habitantes das periferias.
Em síntese, “Peripatético” usa de uma linguagem leve e criativa para debater discursos ignorantes sobre a desigualdade presente no Brasil e o mito da meritocracia, além de criticamente expor a luta das populações periféricas no país em meio a um ambiente violento e explorador.