Os problemas do biográfico em A Vida e a História de Madam C.J. Walker

Por Clério Dornell, Júlia Tonelli e Ruthyelle Idaldo.

Sarah Breedlove, brilhantemente interpretada por Octavia Spencer, constrói sua jornada junto de sua filha A’Lelia (Tiffany Haddish) e de seu marido C.J. Walker (Blair Underwood), saindo de um trabalho precário de lavadeira, para a venda de produtos capilares concorrentes com o de sua rival Addie Monroe (Carmen Ejogo). Todavia, o recorte abrangente da miséria à ascensão, lotado de personagens, prejudica a narrativa de A Vida e a História de Madam C.J. Walker, sintetizada em apenas quatro episódios e disponível na plataforma Netflix.

Seguindo uma linguagem pop, a série opta por uma estilização plástica e formal, realizada a partir de uma montagem acelerada, alternada com imagens de arquivo e, em momentos, ritmada com músicas anacrônicas, como Harlem Shake (Baauer). Além disso, existem inserções metafóricas relacionadas às emoções de Sarah, que, apesar de serem redundantes, contribuem para este estilo. Essa estética permite uma dinâmica agradável e bem humorada, que instiga o fator de maratona favorecido pelo streaming.

Inserção metafórica no segundo episódio

Foto: Divulgação/Netflix

Contudo, os poucos episódios se separam por grandes elipses, fazendo com que a agilidade também seja narrativa. Isso funcionaria se houvesse um foco no desenvolvimento de Sarah, mas o roteiro tenta aprofundar as particularidades do marido, da filha, do genro, do amigo, da rival e, pela curta duração da série, as personagens se tornam superficiais. Logo, os conflitos principais perdem o peso do indício de complexidade narrativa, advindo das diversas subtramas supracitadas, sendo favorecidos apenas pelo ótimo trabalho das atuações e das construções do diálogo, que, pela sensibilidade, guiam a emoção das cenas.

Por esse motivo, pautas importantes que, além de possibilitar reflexões pertinentes, constituiriam as camadas dos relacionamentos entre as personagens, funcionam apenas como gatilho para os pontos de virada, não sendo abordadas novamente. Exemplos disso são os preconceitos estruturais, a sexualidade, o machismo, o matrimônio e o alcoolismo. Dessa forma, as relações se tornam superficiais, como a relação de Addie e Sarah, que abriu espaço para tramas muito mais interessantes do que apenas a hostilidade.

Assim, Sarah e Addie eram amigas, e isso se rompe em menos de 10 minutos por causa de um conflito racial, visto que Sarah, preta, queria trabalhar com Addie, mestiça, que repudiou a ideia devido à imagem da amiga. Além de não ser uma pauta bem desenvolvida, o relacionamento se torna puramente de inimizade, sendo que, em muitos momentos, haveria espaço para aprofundamento. Elas se uniram por um problema em comum, a calvície, mas após o rompimento, a empatia simplesmente acaba, mesmo com Addie tendo sofrido um abuso físico, assim como Sarah em seu passado.

Addie cuida do cabelo de Sarah no primeiro episódio

Foto: Divulgação/Netflix

Por outro lado, existem questões de liberdade criativa que diferem o seriado da história real, como a vilania criada para a série e o fato de Sarah ter roubado a fórmula capilar. Contudo, apesar de a criação ficcional para qualquer adaptação biográfica ser necessária em um contexto cinematográfico, esse tipo de recurso arquetípico polariza as personagens, que são muito mais complexas do que apenas heroínas ou vilãs. Além disso, desvaloriza a jornada dessas mulheres, por meio de uma tentativa de complexidade ficcional não desenvolvida de forma orgânica durante a narrativa.

A Vida e a História de Madam C.J. Walker (EUA, 2020). Netflix.

Direção: DeMane Davis Kasi Lemmons

Roteiro: Nicole Jefferson Asher, A’Lelia Bundles

Elenco: Octavia Spencer, Tiffany Haddish, Blair Underwood, Carmen Ejogo, Garrett Morris, Kevin Carroll

Duração: 189 minutos (4 episódios)

Estreia: 20 de Março de 2020 (Brasil)

Classificação: Não recomendado para menores de 14 anos

Gênero: Biografia/Drama 

Trabalho produzido para a disciplina Análise e Crítica de Filmes, do curso Cinema e Audiovisual.

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