Por Daura Campos.
Bo Burnham é um comediante, músico e multi-artista norte-americano que se tornou conhecido em 2006 com a viralização de seus vídeos no YouTube. Em sua prática artística, Bo converge apresentações presenciais e virtuais. Seu último especial, Inside, nos convida a refletir sobre como a forma que consumimos a mídia audiovisual nos últimos anos, especialmente durante a Pandemia, pode afetar nossa saúde mental.
De forma geral, produtos audiovisuais contam com diferentes formas de exibição: programas de televisão na TV, filmes no cinema e músicas em rádios. Contudo, o avanço tecnológico possibilitou que todos estes produtos fossem consumidos em nossos smartphones e notebooks. É sobre esse contexto que Bo Burnham pretende reflexionar.
É importante apontar desafio que foi colocado diante do artista, considerando as expressões artísticas através das quais desenvolve seu trabalho: a comédia de stand-up e a apresentação musical. Ambas tem em comum a presença do palco e da audiência, assim como as dinâmicas sociais deste meio, que determinam os papeis do performer e dos espectadores.
Inside foi produzido na casa do artista e seu nome é incansavelmente repetido na ficha técnica. O especial é um projeto DIY* de Bo, mas que conta com o orçamento médio de qualquer outra produção da Netflix.
O especial se inicia com a música Content, que fala sobre o decadente estado mental do artista em virtude do isolamento social e da falta de perspectiva em relação ao seu trabalho, o que é explicitado pelo verso I’m sitting down, writing jokes / Singing silly songs**. Já a necessidade de criar conteúdos para se manter relevante no ambiente acelerado da Internet, assinalado pela insaciedade do público diante da infinidade de conteúdos virtuais, é referenciado no verso But look, I made you some content / Daddy made you your favorite / Open wide***
Esses sentimentos são ecoados, também, nas performances de Don’t Wanna Know. Bo, em uma tentativa de criar vinculações, interpela o espectador, questionando-o sobre onde ele está assistindo ao especial, ou se as músicas estão tocando no plano de fundo de qualquer outra atividade que ele está realizando. Em Welcome to the Internet, por sua vez, o artista mais uma vez referencia seu próprio ofício, listando as diferentes formas de consumir os mais diversos conteúdos na Internet.
As redes sociais, hoje, atuam nos embates simbólicos em torno de produtos audiovisuais. Elas podem amplificar seus sentidos, ou, ainda, torná-los insignificantes. O feedback de uma audiência ativa nas redes se tornou inescapável e, consequentemente, fundamental para o avanço ou extinção de carreiras no mundo do streaming. É sobre isso que trata o segmento após a performance de Unpaid Intern, que apresenta clipes em loop de Bo analisando sua performance anterior e, em seguida, loops do artista analisando sua própria ánalise, em um eco cansativo e interminável de análises, discursos e opiniões.
Finalmente, em Look Who’s Inside Again o performer discute sua carreira. Pondera sobre possíveis contradições, como, por exemplo, sobre o fato de ter começado sua jornada em seu quarto durante a sua adolescência e agora, mesmo sendo um comediante estabelecido, continua criando sua arte na reclusão desse recinto. Concluímos que este fenômeno não é apenas uma consequência da pandemia, que confinou a todos, mas o resultado da constante mudança das dinâmicas mercadológicas entre audiência e performers, que se tornaram, respectivamente, consumidores e produtos.
*Do It Yourself: Faça você mesmo
**Estou me assentando, escrevendo piadas / Cantando canções bobas
***Mas veja, eu fiz conteúdo para vocês / O papai fez o seu favorito / Abra bem
Bo Burnham: Inside (Estados Unidos, 2021). Nettflix.
Direção: Bo Burnham
Roteiro: Bo Burnham
Elenco: Bo BurnhamDuração: 87 min