O Cinema Coreano: dos dramas aos filmes

Por Nicole Antunes de Souza Oliveira.

Foto: Reprodução/CJ Entertainment

No Sudeste asiático, entre China e Japão, está Coreia do Sul, uma península com um pouco mais de 51 milhões de habitantes. Apesar da modesta geografia, a cultura sul coreana vem ocupando um espaço cada vez mais significativo no mercado mundial, da indústria da beleza à indústria audiovisual. Principalmente depois do feito histórico de Parasita (Bong Joon-ho), premiado com Oscar de Melhor Filme em 2020, plataformas de streaming e grandes estúdios ocidentais passaram a encarar o país como uma verdadeira mina de ouro, comprando direitos de distribuição dessa e de outras produções. Na verdade, o grande sucesso da cultura coreana vem sendo trabalhado internamente por mais de três décadas e está diretamente conectado com sua história conturbada.

O Japão controlava o país, em alguma medida, desde 1876, com a criação do Tratado de Ganghwa, que integrava a Coreia nas suas decisões econômicas e militares. Mas foi em 1910 que o Império Coreano sucumbiu definitivamente às forças do governo japonês, sofrendo uma invasão que se perpetuou no país até 1945, ano marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial. Nas primeiras décadas do cinema coreano, entre 1926 e 1934, as películas, mal arquivadas, foram perdidas ou até mesmo destruídas pelo governo colonizador, que limitava o mercado interno.

Quando as tropas russas e estadunidenses expulsaram as tropas japonesas derrotadas na guerra, o país foi dividido como o conhecemos atualmente: Norte, com regime comunista; e Sul, com regime capitalista. O primeiro presidente coreano, Syngman Rhee, isentou as produções cinematográficas de tributação, incentivando o cinema nacional, o que levou ao aumento do número de produções de cinco filmes feitos em 1950, para 111 feitos em 1959. Mas o sucesso durou pouco.

O cinema coreano voltou a sofrer com censuras em 1961, quando o país enfrentou um golpe militar. A Lei do Cinema, criada para incentivar as produtoras coreanas, foi modificada, cotando importações e exportações de filmes no país. Além disso, foram condenadas quaisquer produções que pudessem vir a prejudicar a imagem do governo. Uma nova revisão da Lei do Cinema só ocorreria novamente em 1984. Observa-se, então, o surgimento de produtores independentes que levaram o cinema coreano para festivais internacionais, como o Festival de Veneza e o Festival Internacional de Cinema de Moscou.

Na década de 1990, a Coreia do Sul enfrentou uma terrível crise econômica. A resposta às novas adversidades foi o surgimento do movimento cultural conhecido como Hallyu, ou “a nova onda coreana”. O governo investiu milhões em áreas culturais como música, cinema, culinária e moda para tentar movimentar a economia do país e tirá-lo de uma situação de crise. O resultado foi uma nova onda de fortalecimento do cinema nacional.

Com o advento da Internet, a distância geográfica entre os países deixou de ser uma barreira para a comunicação, facilitando o acesso ao conteúdo cultural produzido nas mais diversas áreas do mundo. Em 2012, a indústria da música foi surpreendida pelo cantor Psy, que assinou o viral Gangnam Style. O sul coreano foi o primeiro artista asiático a conquistar 1 bilhão de acessos em seu vídeo. A indústria da beleza coreana, por sua vez, é referência pela qualidade de seus produtos, dos mais baratos aos mais caros. Já a culinária, por ser mais diversa do que o ocidente está acostumado, é absorvida lenta e gradativamente, mas vem conquistando territórios nos últimos anos, como apontado por uma pesquisa feita em 2018, mostrando o aumento da busca por receitas coreanas em 222%.

O Brasil, assim como a maioria dos países latino-americanos, sofre uma forte influência da cultura estadunidense, que se enraizou nos países da América Central e Sul nas últimas décadas. É normal vermos a priorização dos conteúdos produzidos na América do Norte aos produzidos na Ásia, mas graças ao Hallyu o cenário vem se modificando. É cada vez mais comum nos depararmos com a cultura coreana, como mostra um estudo feito pelo Ministério da Cultura, Esportes e Turismo, indicando o Brasil como o terceiro país no mundo, e primeiro nas Américas, a ter, por exemplo, um aumento pela busca dos dramas coreanos em 2020. Focando em uma articulação ideal entre as diferenças culturais, que as produtoras utilizam em seu favor, e o clichê romântico, esses conteúdos se tornam cada vez mais visados, inclusive pelas plataformas de streaming. Os doramas, ou dramas, seriam o que no Brasil chamamos de novela, embora tenham a estrutura de uma série com proporções cinematográficas. Um drama normalmente conta com uma temporada, variando o número de episódios de 10 até 24, mas as histórias e reviravoltas são dignas de roteiros hollywoodianos, além de contar com uma equipe de ponta em atuação.

Além do sucesso recente de Parasita, podemos citar, então, outros sucessos, como Train to Busan, lançado em 2016, que quebrou recordes de bilheteria e foi o primeiro filme sul coreano a ter uma audiência com mais de 10 milhões de espectadores. Em 2019, Extreme Job fez história ao superar o maior número de vendas de ingressos já feito por um filme de comédia coreano e, com apenas 19 dias de estreia, ter se tornado um dos oito maiores sucessos de bilheteria coreano. E em 2021, a série Squid Game, uma produção exclusiva da Netflix, quebrou recordes de visualizações ao somar o maior número de horas assistidas no ano, sendo considerada a maior série produzida, até então, pela plataforma.

Diante do sucesso que os produtos culturais coreanos vêm alcançando nos últimos anos, conseguimos encontrar um exemplo pungente de como incentivos governamentais e populares fazem toda a diferença. Um estudo feito pela Korea Times, em 2020, estimou um total de 1,69 trilhão de wons (equivalente a R$ 7,64 bilhões) em investimentos culturais feitos pelo governo sul coreano, uma forma de incentivar a venda e criatividade de produções culturais nacionais. Ao andar pelas ruas de Seoul, capital coreana, podemos ver o quanto a população valoriza o mercado interno, desde franquias de restaurantes, até aparelhos eletrônicos, servindo como um auxiliador, diretamente ou indiretamente, aos incentivos governamentais. No Brasil, um país que já vinha sofrendo cortes de verbas voltados para investimentos culturais, o cenário pode vir a mudar. Em fevereiro de 2022, a Câmara aprovou um projeto de lei que garante um repasse de verba com um valor aproximado de R$ 3,8 bilhões para estados e municípios, uma aplicação de socorro ao setor cultural, afetado gravemente pela pandemia do novo coronavírus. A lei foi nomeada em homenagem ao ator Paulo Gustavo, falecido em 2021 em decorrência a complicações do coronavírus.

Referências:

https://institutodecinema.com.br/mais/conteudo/10-filmes-para-conhecer-o-cinema-sul-coreano

https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/2020/08/30/entenda-a-hallyu–a–onda-coreana–que-tomou-o-mundo-e-gera-renda-no-ceara.html

https://www.opovo.com.br/vidaearte/2021/08/10/brasil-e-o-3-pais-do-mundo-que-mais-consumiu-doramas-na-pandemia.html

http://mediabox.observatoriodoaudiovisual.com.br/2019/10/audiencia-ou-assinatura-onda-hallyu.html

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51420743

https://br.financas.yahoo.com/noticias/de-k-pop-a-round-6-a-onda-sul-coreana-e-o-impacto-bilionario-na-economia-do-pais-090015651.html

https://www.poder360.com.br/internacional/de-bts-a-parasita-entenda-como-a-coreia-do-sul-aplica-o-soft-power/

https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/02/24/lei-paulo-gustavo-camara-aprova-projeto-que-preve-socorro-de-r-38-bilhoes-ao-setor-cultural.ghtml

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