Por Carlos Eduardo Noronha.
Cuidado! Você pode ser o próximo a receber o beijo do vampiro. Principalmente se estiver perdido nos becos enevoados de Maramores. Em noites assim, em que o breu é atravessado pelos raios da lua cheia, as criaturas da noite ficam à solta. Os caixões estão abertos e nenhum mortal será poupado – a não ser crianças, idosos ou gestantes. Pura fantasia imaginar que eles não existem, que não estão entre nós. São rápidos, sensuais, apaixonantes e até… engraçados! Cuidado! O Beijo do Vampiro está de volta.
Na última segunda (28) foi ao ar, pelo canal Viva, o primeiro capítulo de O Beijo do Vampiro. Exibida originalmente entre agosto de 2002 e maio de 2003, em 215 capítulos, a trama das 19h virou febre entre as crianças da época e marcou a infância de toda uma geração. Criada e escrita por Antônio Calmon, com colaboração de Elizabeth Jhin, Maria Helena Nascimento, Mauro Wilson, Lilian Garcia, Eliane Garcia e Álvaro Ramos, a história trouxe de volta o universo dos vampiros, explorado anteriormente pelo grande sucesso Vamp (1991). A direção, encabeçada pelo saudoso Marcos Paulo, contou ainda com Luiz Henrique Rios, Edgard Miranda e Roberto Naar.
“Eu sou um cara totalmente intuitivo. Eu tive, evidentemente, minha formação dramatúrgica, eu li todos os livros que tinha que ler, vi todos os filmes que eu tinha que ver. Minha cabeça funciona como um computador, onde estão armazenadas essas informações.”
Antônio Calmon / Memória Globo
A AMADA REENCARNADA
O Beijo do Vampiro conta a história de Zeca (Kayky Brito), filho do poderoso duque das trevas, Bóris Vladescu (Tarcísio Meira). Bóris, na ânsia de conceber um herdeiro que seria o mais poderoso de sua espécie, se envolve com uma amante em 1989, já que sua namorada Mina d’Montmartre (Claudia Raia) é estéril e o vampirão só pode recorrer à fertilidade de cem em cem anos. Para proteger Zeca do desejo de vingança de Mina, que logo descobre a traição, o duque acaba colocando o filho no lugar do recém-nascido da doce Lívia (Flavia Alessandra), cuja fisionomia o levava a acreditar piamente ser a reencarnação de seu grande amor de séculos atrás, a princesa Cecília.
Zeca não é, nem de longe, um garoto normal – embora tenha sido criado por uma família absolutamente comum. Ainda não foi batizado e não consegue frequentar igrejas; tem horror a alho e crucifixos; sofre de constantes crises de sonambulismo; e é alucinado pelo universo dos jogos e histórias de vampiro. Contudo, ao completar 10 anos, Zeca receberá a prova concreta do que tanto buscava: a existência das criaturas da noite. Isso porque Bóris irá atrás do menino a fim de buscá-lo e prepará-lo para assumir seu lugar. A partir daí, Zeca entrará em uma jornada de autoconhecimento e de grandes embates entre a luz e as trevas.
O BEIJO DO VAMPIRO (2002): CONFIRA A ABERTURA DA NOVELA
VAMPIROS CONTAM HISTÓRIAS DE VAMPIROS
Para criar o enredo da novela, o autor se inspirou no clássico Drácula, de Bram Stoker (1992), de Francis Ford Coppola; e na comédia de terror A Dança dos Vampiros (1967), de Roman Polanski.
“Eu acho que quem não realiza as suas fantasias, que não se arrisca, não acrescenta nada de novo. Agora, que você tem que ter muito cuidado e saber até que ponto você pode ir… Porque, às vezes, você se acaba. Quer dizer, na vida, você tem que se arriscar. Você tem que tentar experimentar as coisas pra não ficar repetindo o que os outros faziam antes.”
Antônio Calmon / Donos da História
O resultado foi um núcleo de vampiros sombrio, mas com toques de comédia e modernidade – eles eram consumistas e “politicamente corretos”, por exemplo. Além disso, usavam protetor solar e cremes contra queimaduras de água benta, bebiam sangue importado da Suíça ou Escócia e não mordiam crianças, idosos ou mulheres grávidas.
“Para o autor, os vampiros são uma metáfora de hábitos aristocráticos, de sexualidade, de busca de eterna beleza e juventude ou ainda de corrupção política, prepotência e maldade. O vampirismo de Zeca (Kayky Brito), por exemplo, é uma metáfora da puberdade, quando o jovem começa a ficar rebelde, querer sair de casa e desafiar os valores familiares.”
Redação / Fonte: Memória Globo
BECOS E VIELAS FAZEM SUA PASSARELA
As cenas do primeiro capítulo, que narram o embate do conde Bóris com os nobres e o suicídio da princesa Cecília, foram rodadas no Castelo Almourol, localizado na cidade Vila Nova da Barquinha, distrito de Santarém, a 120km de Lisboa (Portugal).
Já a cidade fictícia de Maramores, onde transcorre o restante da história, foi erguida nos Estúdios Globo (antigo Projac). Foram feitas pesquisas em livros e filmes góticos sobre a Idade Média para compor o visual urbano que, além disso, foi inspirado na arquitetura de Praga, capital da República Tcheca. A cidade era divida em duas partes – uma moderna e uma de época – separadas por uma ponte e recheadas por becos e vielas onde transitavam as criaturas da noite.
“Eu sou uma pessoa mística. Me arrependo de ter consumido certas substâncias que eu acho me fizeram perder muito tempo. Não me arrependo de ter consumido outras que me abriram portas. Enfim, acho que ganhei uma certa sabedoria, acho que minha saúde poderia ser melhor hoje em dia. Mas também não me arrependo, faria tudo de novo.”
Antônio Calmon / Donos da História
Outro traço marcante da novela eram as roupas e adereços usados pelos vampiros. Um dos mais lembrados eram os de Mina d’Montmartre que, apesar de sua esterilidade, fez um tratamento e deu a luz à Pandora d’Montmartre (Juliana Lohmann). Esta, na verdade, foi a saída encontrada por Calmon para a personagem de Claudia Raia que, durante a novela, ficou grávida.
“As roupas usadas por Claudia Raia, intérprete de Mina, foram inspiradas em modelos do estilista francês Thierry Mugler. O figurino era sofisticado: contava com muitas rendas e bordados, em tons de vinho, roxo, azul-marinho e preto.”
Redação / Memória Globo
IMAGINAÇÃO SOBRENATURAL
Nascido em Manaus (AM) em 29 de outubro de 1945, de pai capixaba e mãe paulista, Antônio Augusto Dupin Calmon foi morar no Rio de Janeiro (RJ) aos quatorze anos de idade. Lá, começou a cursar Sociologia na PUC-Rio, mas logo ingressou na carreira cinematográfica.
“Foi de 1964 para 1965. Tinha uma febre do cinema brasileiro, foi o momento em que eclodiu tudo – Bossa Nova, uma série de manifestações, o teatro também. Eu tinha visto um filme brasileiro que tinha me impressionado demais, o Mandacaru Vermelho, de Nelson Pereira dos Santos. Também tinha assistido ao Ganga Zumba, do Carlos Diegues, e, evidentemente, Deus e o Diabo na Terra do Sol, do Glauber Rocha. Eu estava na PUC, entre o primeiro e segundo ano.”
Antônio Calmon / Fonte: Memória Globo
A partir daí, produziu e participou de diversas obras. Com um grupo de amigos, produziu Infância, realizado no formato de 16mm, e que ocupou o segundo lugar em um festival de cinema amador patrocinado pelo Jornal do Brasil.
“O prêmio, entre outras coisas, era ser assistente do Carlos Diegues. Começar a trabalhar com o Cacá, em A Grande Cidade, mudou a minha vida. Meses depois, eu larguei a sociologia e me tornei assistente em vários filmes, como em Terra em Transe, do Glauber.”
Antônio Calmon / Fonte: Memória Globo
CALMON VAI PARA A TV
Foi para a TV em 1985 quando produziu, a pedido de Daniel Filho, a série Armação Ilimitada. Logo em seguida, foi designado ao horário das 19h para escrever, junto com Walter Negrão, a novela Top Model (1989) – um dos maiores êxitos do horário e da década de 1980.
Após assistir ao filme A Dança dos Vampiros (1965), do diretor franco-polonês Roman Polanski, Calmon sugeriu a Daniel Filho a criação de uma novela de comédia com elementos sobrenaturais. A proposta foi feita durante um voo em que ambos iam para Nova Iorque.
“Uma novela também é uma aposta. Uma novela depende de n fatores. É claro que o autor pode errar feio. Mas uma novela pode ser destruída pelo casting, pela escolha de elenco; uma novela pode ser destruída, de repente, porque não teve uma produção devida; ou pode ter sido infeliz em vários aspectos. Mas a culpa é sempre do autor. Embora, quando a novela seja um sucesso, a glória é toda do autor.”
Antônio Calmon / Donos da História
Com o sinal verde de Daniel, Calmon começou a trabalhar em uma sinopse. Nascia, a partir daí, um dos maiores e mais lembrados enredos da década de 1990: Vamp (1991). Protagonizada por Reginaldo Faria (Capitão Jonas), Joana Fomm (Carmem Moura) e Claudia Ohana (Natasha), “o equilíbrio entre romance, mistério e humor, e a direção ousada de Jorge Fernando fizeram com que o tema dos vampiros fosse bem aceito no horário das 19 horas. Praticamente uma chanchada, a trama agradou a mídia, mas não resultou na identificação das donas de casa, tendo como público principal os telespectadores infanto-juvenis” (Memória Globo).
Para homenagear o diretor de A Dança dos Vampiros, o autor criou o icônico personagem Conde Vlad Polanski (Ney Latorraca), que protagonizou uma das cenas mais icônicas da novela: a dança no cemitério ao som da música Thriller, de Michael Jackson.
VAMP: VLAD DANÇA “THRILLER” NO CEMITÉRIO
http://globotv.globo.com/rede-globo/memoria-globo/v/vamp-vlad-danca-thriller-no-cemiterio/2505216/
Na TV, Calmon desenvolveu diversos outros projetos, como as séries Tarcísio e Glória (1988), A E I O Urca (1990), Sex Appeal (1993), A Justiceira (1997), Mulher (1998) e Na Forma da Lei (2010); e as novelas Olho no Olho (1993), Cara e Coroa (1995), Corpo Dourado (1997), Um Anjo Caiu do Céu (2000), Começar de Novo (2003) e Três Irmãs (2008).
“O teu trabalho revela o que você é. Não adianta você querer se fingir que é politicamente correto ou incorreto. Se eu sou politicamente correto o meu trabalho vai revelar isso. Se eu sou uma mal caráter o meu trabalho vai revelar isso. Você se revela no que você faz. Você tem que ser fiel a você mesmo, só isso.”
Antônio Calmon / Donos da História
