Narrativas das marcas nas redes sociais e a cultura do cancelamento no contexto da pandemia

Madero Steak House Norte Shopping – Foto: Gerson Lima

Por Marília Araujo. 

Quando o Brasil declarou quarentena devido à Covid-19, o dono da rede de restaurantes Madero, Júnior Durski, se manifestou nas redes sociais contra medidas protetivas de isolamento social, dizendo, em vídeo, que as consequências financeiras serão maiores que as de saúde e que o Brasil não pode parar “por conta de 5 mil pessoas ou 7 mil pessoas que vão morrer.” O vídeo foi publicado por Durski no dia 23 de março e viralizou nas redes sociais. Sua fala foi amplamente divulgada e não foi bem vista por parte da sociedade.

Em maio, Junior Durski deu algumas entrevistas falando da situação financeira de sua empresa. À revista Exame, disse ter demitido 600 funcionários e registrado 25% de queda nas vendas. Afirmou ainda que “as pessoas estão em pânico e sumindo de todos os comércios, não apenas da Madero”, e que nunca desmereceu o valor de uma vida, se referindo à polêmica do vídeo.

É possível relacionar o referido sumiço dos clientes da Madero com o posicionamento de Júnior Durski? Clientes da Madero podem ter assumido o posicionamento de Durski como o posicionamento da própria marca. A marca, muitas vezes, traduz a personalidade da empresa. Dennis K. Mumby, doutor em Comunicação Social pela Southern Illinois University e crítico da Comunicação Organizacional, diz que apesar de a marca não poder ser tocada assim como o produto que ela vende, ela pode ser experienciada pelo consumidor. Para ele, “[…] o ato de consumo se torna um ato supremo de democracia porque ele proporciona aos consumidores exatamente o que estes querem” (MUMBY, 2010, p. 23).

Nesse sentido, ao se consumir determinado produto, o consumidor está também experienciando a marca. Por isso, temos a oportunidade de conceder valor democrático a esse ato de experiência através da conformidade ou não com a personalidade da marca. Quando se está de acordo com o posicionamento, elogia-se; quando não, boicota-se. Ou ainda: cancela-se, já que vivemos hoje a “cultura do cancelamento”.

O termo “cultura do cancelamento” surgiu no início de 2019 e foi eleito pelo Dicionário Macquarie como termo do ano. Desde então, esse é o termo que tem moldado o comportamento dos usuários nas redes sociais. Falou algo que não foi bem aceito? Cancelado! Isso acontece intensamente com personalidades famosas. Durante o reality show brasileiro Big Brother Brasil, o termo foi visto e usado a cada semana;, todos os participantes foram “cancelados” em determinada ocasião. O cantor Nego do Borel respondeu a um comentário em suas redes sociais e foi “cancelado”, acusado de transfobia. Anitta se manifestou defendendo o cantor: “cancelada” também!

A cultura de cancelamento dos famosos no contexto da pandemia foi acentuada e já se fala em como ela influencia nas marcas às quais essas personalidades estão ligadas. Gabriela Pugliesi, blogueira fitness, não respeitou a quarentena, fez uma festa em sua casa e foi cancelada nas redes. A crítica foi tamanha que Gabriela excluiu seu perfil no Instagram. Quase simultaneamente, marcas ligadas a ela foram pressionadas pelos usuários e romperam seus contratos publicitários. Mas se a marca é também uma personalidade, não se pode falar em cultura do cancelamento direto a elas? A forma como as marcas se posicionam em relação à pandemia nas mídias pode ser motivo para o cancelamento virtual.

Um estudo recente da Edelman mostra a expectativa dos consumidores em relação às marcas na pandemia. A pesquisa foi feita em 12 países, dentre eles, o Brasil (além de Canadá, Estados Unidos, França, Alemanha, Índia, Itália, Japão e outros); 71% dos entrevistados afirmaram que perderiam a confiança na marca e deixariam de comprar se percebessem que ela estaria visando lucro acima da preocupação com a pandemia. A pesquisa confirmou que existe uma expectativa de posicionamento sobre as marcas nesse contexto atual. Espera-se que sejam fonte de informação, que contribuam com ações de segurança social, mantenham a segurança financeira e a saúde de seus funcionários e que não continuem seguindo padrões de publicidade “engraçados”. 

Outro estudo do Instituto de Pesquisa & Data Analiytics Croma Insights entrevistou 9080 pessoas, questionando sobre a lembrança que elas tinham das marcas na pandemia. O resultado foi que as marcas mais lembradas positivamente foram aquelas que desenvolveram algum tipo de ação social, como, por exemplo, o Itaú, primeiro lugar no ranking, que disponibilizou diversos modos de apoio a pequenas e médias empresas; ou a Ambev, que fabricou e doou 500 mil frascos de álcool em gel para hospitais públicos. Já a ESPM Rio, realizou entrevistas no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília e, nesses lugares, a marca mais lembrada negativamente foi a Madero. A marca Magalu apareceu em ambas as pesquisas como exemplo positivo. Ela realizou uma série de ações em auxílio a trabalhadores autônomos, doou respiradores a hospitais, além de fechar todas suas lojas físicas concedendo férias remuneradas aos seus mais de 20 mil funcionários.

No entanto, retomando Mumby, é preciso tomar cuidado para que o valor da marca não ultrapasse o valor do profissional que trabalha para aquela empresa. A demissão dos 600 funcionários da Madero após a polêmica com a marca nos mostra que ambas as coisas andam juntas e, no contexto da pandemia, isso se tornou ainda mais evidente. 

Referências

MUMBY, Dennis K. Reflexões críticas sobre a comunicação e humanização nas organizações in KUNSCH, Margarida M. Krohling. A comunicação como fator de humanização nas organizações. São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2010.

Marília Araujo é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC Minas.

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