Por: Raianne Ferreira
My Own Private Idaho é o terceiro longa do diretor norte americano Gus Van Sant e teve sua estreia no ano de 1991. Se distanciando da estética convencional de seus dois primeiros filmes, Van Sant adota uma linguagem poética e lúdica, utilizando referências de Shakespeare, misturando poesia, cinema e teatro, criando uma narrativa densa, mas ao mesmo tempo sensível e onírica.
Estrelado por River Phoenix e Keanu Reeves, o longa conta a história de dois jovens amigos, Mike e Scott, que vivem em meio as drogas e a prostituição nas ruas de Portland. Mike é portador de narcolepsia, uma doença que o faz dormir por horas quando está sob momentos de pressão. Scott é um garoto rico, que para enfrentar e se rebelar contra o pai, decide se prostituir até os 21 anos. Os dois embarcam em uma intensa e emocionante viagem, em busca da mãe perdida de Mike, que o abandonou ainda criança, seguindo algumas pistas deixadas por ela.
A maneira como a relação entre os dois personagens, vai se construindo ao longo do filme, é central para a estrutura da narrativa. Em meio a busca por pertencimento e amor, em um cenário tão hostil e vulnerável, o longa explora sob uma lente poética, as complexas relações dos personagens entre a marginalidade, a família e a busca pela própria identidade e autonomia. Com uma das atuações mais emocionantes e potentes do cinema, Mike interpretado por River Phoenix, sofre com sua condição narcoleptica, e com sua constante solidão interna, que se refletem em sonhos com a mãe e posteriormente no desejo desesperado por encontrá-la.
A narcolepsia de Mike, cria uma espécie de metáfora não linear, onde realidade e sonhos se misturam. As imagens que o personagem vê enquanto está em estado de sono profundo, é a não linearidade da narrativa, nos configuram a todo o tempo a sensação de deslocamento constante, que espelham e revelam a própria condição física e emocional do personagem. Já Scott, vive entre a rebeldia e a vida de luxo, opta pela prostuição como uma escolha intencional, para humilhar e se distanciar do pai rico e da elite a qual pertence. Ele é protegido por sua origem privilegiada, o que cria uma ironia amarga em sua rebeldia. Ele vive nas ruas, mas com a segurança de que, quando completar 21 anos, herdará a fortuna de sua família e poderá deixar para trás a vida que escolheu.
Esse contraponto entre o privilégio de Scott e a marginalização de Mike enfatizam o caráter temporário da conexão entre os dois. Scott pode se libertar dessa vida, enquanto Mike não tem essa opção. Essa diferença de classes torna ainda mais dolorosa a relação dos dois, pois Mike se apega emocionalmente e se apaixona por Scott que por sua via, nunca estará inteiramente presente para ele. Esse descompasso na forma como os dois veem e experienciam o mundo se torna um dos principais elementos trágicos do filme.
O sentimento de solidão também é constantemente reforçado no filme, através de sua estética e fotografia. A momentos de completo silêncio, cenas longas e paisagens vazias, que funcionam simbolizando uma desconexão de realidade e mundo. Van Sant, além de trabalhar poeticamente a narrativa através dos diálogos e ações do filme, também trabalha poeticamente com o espaço e o tempo do longa. Destaque para a cena final, onde Mike encara e segue adiante por uma estrada longa, vazia e que parece ser interminável, assim como sua busca por si mesmo.
O filme, portanto, não é apenas sobre uma jornada física, mas também sobre a busca interna de Mike por amor, pertencimento e aceitação, e a inevitável desilusão que acompanha essa busca.
Raianne Ferreira é graduanda do 7° período de Cinema e Audiovisual da Puc Minas.
Referências Bibliográficas:
MARIA, Thayane. “MY OWN PRIVATE IDAHO” E O VAZIO CONSTANTE DA EXISTÊNCIA. Dezembro, 2017. Disponível em: https://msmidnightlover.medium.com/my-own-private-idaho-e-o-vazio-constante-da-exist%C3%AAncia-2618ce6c6956