Por Gabriel Pinto da Cunha Gomez Werneck, Isa Assumpção Godinho e Sarah Hellen Santos de Souza.
Ao encararmos uma narrativa clássica, vamos nos deparar diversas vezes com tramas maniqueístas, o mundo se dividindo em duas únicas possibilidades e todos os personagens ali imersos possuem apenas duas escolhas: ser herói ou vilão da história. É intrigante, porém, quando tal premissa pode ser quebrada, colocando os personagens em uma balança que só pode ser medida pelo espectador, proporcionando, então, um charme à narrativa inegável ao se observarem personagens dúbios que nos fazem questionar constantemente nossa própria moral.
Arséne Lupin, clássico personagem francês criado no início do século XX pelo escritor Maurice Leblanc, é um grande exemplo de tal caracterização. O sucesso de suas histórias foi tamanho que diversas adaptações do personagem já foram feitas, culminando no mais novo destaque da Netflix “Lupin”.
A série, cuja primeira temporada conta com cinco episódios, nos apresenta Assane Diop (Omar Sy), imigrante do Senegal que, em sua adolescência, viu o pai ser incriminado pelo roubo de um precioso colar. Antes de ser preso, porém, o pai de Assane consegue deixar um último presente para o filho, um dos romances de Arséne Lupin. Agora adulto, Assane realiza uma série de assaltos para, no fim, provar a inocência do pai.
É sempre interessante de se observar nesse estilo de narrativa como o criador da obra irá julgar seu personagem, afinal de contas, a forma cinematográfica pode dizer muito mais do que o roteiro aparenta. Com uma formulação inventiva e ritmo frenético, Lupin é uma série que surpreende, ficamos imersos nas causas e consequências de todas as ações daquele mundo que se desenvolve por uma perseguição de gato e rato. Se, por um momento, julgamos Assane por suas ações, a narrativa nos deixa confortável o suficiente para apoiá-lo. Os roubos e planos funcionam como uma dança em que o personagem é sempre aquele que conduz o espectador, sempre um passo à sua frente. Esse é, inclusive, o grande mérito de toda a série, Omar Sy não apenas traz sutileza ao protagonista, mas também convence todos a sua volta com seu carisma e charme.
É indispensável dizer também como a narrativa reforça nossa posição a favor do protagonista, mesmo que este esteja cometendo crimes. O racismo pode não ser um tema totalmente explícito em diversas ocasiões, mas alguns trejeitos e falas acabam por entregar nos detalhes quem são aquelas pessoas que estão sendo roubadas, justificando moralmente as ações que a priori pareciam horrendas. Esse recurso, que pode parecer forçado, se mostra interessante não apenas por manter o público a favor do protagonista, mas acaba por desenvolver um grande subtrama que engloba toda aquela sociedade.
Quando uma obra que aposta em seu espetáculo para cativar consegue fazer o público questionar a si mesmo, sabemos que existe ali algo a mais. A moral, mesmo que maleável perante os aparatos cinematográficos, ainda está ali, um criador que lhe mostra um personagem e pede simplesmente para não julgá-lo sem antes entender tudo o que lhe engloba. Uma tridimensionalidade que não busca isentar ou condenar um homem de seus crimes, apenas o mostra como é: um homem.
Lupin – 1 Temporada (França, 2021). Netflix.
Direção: George Kay
Roteiro: George Kay e François Uzan
Elenco: Omar Sy, Ludivine Sagnier, Clotilde Hesme, Nicole Garcia, Hervé Pierre, Soufiane Guerrab, Antoine Gouy, Fargass Assandé, Vincent Londez, Shirine Boutella, Anne Benoît, Etan Simon, Vincent Garanger
Duração: 5 episódios com cerca de 50 min.
Trabalho produzido para a disciplina Análise e Crítica de Filmes, do curso Cinema e Audiovisual.