Influenciadoras, positividade e quarentena

Por Ane Guimarães.

Viver o isolamento social devido à COVID 19 não tem sido uma tarefa fácil para os brasileiros. Com a rotina transformada, surgiram novos hábitos e novas performances. A questão “o que fazer agora” está fortemente presente nas redes sociais, principalmente nos perfis de criadores de conteúdo e de influenciadores digitais. Podemos considerar que foi uma corrida de planejamento e produção de como ocupar o tempo das pessoas e continuar a entreter os seguidores, ação que já é comum nos perfis de influenciadores que compartilham sobre estilo e rotina de vida. Por isso, o objetivo deste breve texto é discutir o conteúdo do feed da influenciadora Nah Cardoso, intitulado “Juntos #NAHquarentena (todo dia vamos fazer algo juntos)”. 

Esse tipo de conteúdo produzido pela influenciadora, que foca somente no entretenimento, faz com que a discussão de questões práticas da lógica do funcionamento da vida de pessoas seja de certa forma mascarada dentro de uma narrativa semificcional e construída de life style. Um mecanismo utilizado pela influenciadora para personalizar seus conteúdos temáticos são hashtags como #NahReforma, #NahRua, #NahEntrevista, #NahMeLiga, #NahCopa, entre outros. Os conteúdos são produzidos a partir de vivências dramatizadas do cotidiano, realizando assim o imperativo da felicidade e da boa autoestima. A busca por ser uma pessoa “amável” e “adorável” é visível no perfil do Instagram de Nah Cardoso e também no de outras personalidades da internet. 

O autor Byung Chul Han (2014) afirma que a constante “positivação” da vida é uma necessidade simbólica criada na sociedade.  Nela, demanda-se que o sujeito deve estar bem o tempo todo. O autor fala da necessidade de o sujeito reprimir qualquer ação ou pensamento negativo e assim exibir só o que é bom. Isso acabou gerando nos indivíduos um “desaprender” do sofrer. Para Han (2014), o sofrimento, ao ser encarado como algo que deve ser sublimado, é tido como extremamente prejudicial ao processo de aprendizado que o sujeito deve acumular ao longo da vida. No caso das influenciadoras, isso pode gerar nos seguidores sentimentos de fracasso e angústia por não conseguirem reproduzir esse modo de vida sempre positivo.

A percepção de Han (2014) sobre a recusa do sofrimento em detrimento de uma vida sempre feliz para ser exibida está associada a uma necessidade crescente dos sujeitos, principalmente aqueles inseridos nas plataformas digitais, de obter audiência e seguidores. O autor também fala que a “distância é uma negativa” (HAN, p. 35, 2014), ou seja, além de seguir as pessoas nas plataformas é preciso acompanhar tudo aquilo que está sendo compartilhado para criar relação de pertencimento.

Desse modo, os influenciadores e as pessoas que possuem contas nas plataformas digitais passam a produzir cada vez mais conteúdos (ações cotidianas da vida, pensamentos políticos, religiosos, hábitos de consumo etc) para dizerem sobre si, em uma espécie de narrativa do eu que acaba se tornando um cartão identitário.

Para Stuart Hall (2016), os sujeitos são seres entre imagens. E essas imagens complementam as representações culturais da sociedade e os sujeitos se referenciam nelas para agir. Nem toda representação que as pessoas têm do mundo é realizada a partir de uma experiência sensorial direta, ou seja, da percepção vivida. Há experiências que são produzidas de forma indireta, como uma pessoa que assiste às ações relatadas ou executadas pelos influenciadores digitais. Isso é um tipo de ação que constitui uma experiência sensorial indireta, que as pessoas usam para viver no mundo. O fato de as pessoas não terem vivenciado na prática as ações não torna esses gestos menos verdadeiros. Mas isso faz com que o sujeito crie um quadro de referências mesmo que não experienciada de forma direta. Sendo assim, a representação é algo que constitui a realidade.

Hall argumenta que as pessoas dão significados a objetos, outras pessoas e eventos por meio de paradigmas de interpretação. Os sentidos são construídos a partir da forma que representamos as coisas: “as palavras que usamos para nos referir a elas, as histórias que narramos a seu respeito, as imagens que delas criamos, as emoções que associamos a elas, as maneiras como as classificamos e conceituamos, enfim, os valores que nelas embutimos” (HALL, 2016, p. 21). 

Acredito que, ao acionar a hashtag #NahQuarentena, a influenciadora cria uma linguagem em seus discursos vividos, criando assim um espaço de representação na quarentena. Esse espaço reforça a falsa ilusão de agora todos estarem vivendo a mesma vida, com as mesmas condições. Anulam-se, assim, as condições de outras pessoas que muitas vezes acompanham a vida de quem está nessa bolha. Como, por exemplo, trabalhadores (seguidores) que vão para a linha de frente. Esse tipo de conteúdo dos influenciadores reforça os lugares de privilégios que vivemos na sociedade e que agora estão sendo cada vez mais evidenciados. 

Não é possível transformar todo trabalho em infotrabalho ou home office. Seria talvez o trabalho da influenciadora e de vários outros uma espécie de romantização da quarentena brasileira? Ou apenas uma forma de seguir trabalhando, já que ela também atua como empreendedora. Sim, é preciso não viver o cenário de forma só pessimista e pesada. Mas o que fazer em frente a uma situação em que as definições e privilégios de classes sociais se tornam latentes e mais cruéis do que já são?

Ane Guimarães é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC Minas.

Referências

HAN, Byung-Chul. A sociedade da transparência. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2014.

HALL, Stuart. Cultura e Representação. Traducción: William OLIVEIRA e Daniel MIRANDA — Editorial: PUC-Rio: Apicuri. Rio de Janeiro, Brasil Año: 2016 Páginas: 264 ISBN: 978-85-831-7048-8

CARDOSO, Nah. Juntos na quarentena. Disponível em: https://www.instagram.com/p/B9-EgqTFhBI/. Acesso em: 18 mai 2020

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