POR: Maria Eduarda Abranches
“Estar bem informado não é coisa do outro mundo”. Esse é o slogan do programa apresentado e dirigido por Gregorio Duvivier para a HBO. Se alguém pensa que encontrará no “GregNews” um “Mercado de Notícias” – documentário dirigido por Jorge Furtado – estará equivocado. Ele, embora não seja jornalista de formação, e sim um ator e humorista, realiza um trabalho que merece ser cada vez mais evidenciado, de forma a ser referência para os atuais e futuros profissionais da comunicação.
Em cada episódio do programa, que se autointitula como “humorístico que é jornalístico”, é apresentado um tema de interesse público e relevância nacional, associado aos últimos acontecimentos políticos, sociais e econômicos. O programa a ser analisado e comentado é o “Greg News − Jornalismo”. Exibido em 28 de junho de 2019, o episódio foi assistido 1.309.328 vezes e recebeu 3.851 comentários. Um total de 99 mil pessoas gostaram, ou seja, apertaram o botão “like”. O programa foi exibido três semanas após o vazamento das mensagens da Lava Jato feitas pelo periódico virtual “The Intercept Brasil”, em que foram revelados trechos de conversas mantidas entre deputado federal Deltan Dallagnol – em 2019, procurador de justiça – e o atual senador Sérgio Moro – mas na época Ministro da Justiça – , mostrando debates internos e legalmente duvidosos sobre a operação que investigava os crimes de corrupção.
As características jornalísticas estão presentes no programa transmitido pela HBO, sendo perceptíveis desde a presença da figura jornalista-âncora em um cenário com uma bancada, até na textualidade no formato das narrativas, que se assemelha com as crônicas produzidas em jornais impressos. Para que isso se sustente, há processos bem delineados e colocados em funcionamento, como o enquadramento bem construído da união existente entre o humor e a necessidade de informar e opinar. Esses elementos combinados proporcionam aos espectadores a sensação de estarem assistindo a um telejornal.
“Greg News” utiliza nas cenas enunciativas recortes de matérias publicadas, e trechos de reportagens para abordar a crise jornalística instaurada pela crise política do escândalo da Vaza Jato. Acontecimento que gerou o debate sobre os limites do jornalismo, delimitando o que pode ou não fazer um veículo de comunicação. Durante o episódio, o humorista demonstra a forma com que os políticos estabelecem a culpa da crise jurídica e governamental nos profissionais da comunicação, de forma a atacá-los. Além desses, os próprios jornalistas, como Alexandre Garcia (porta-voz do governo impopular e autoritário de Figueiredo), Felipe Moura Brasil (em 2019, diretor de jornalismo da “Jovem Pan”) e Diogo Mainardi (um dos fundadores do portal “Antagonista”) têm a mesma atitude, utilizando a estratégia relevante de consolidação de uma nova narrativa, a da construção de um inimigo. E esse passa a ser o Intercept e seu fundador, Glenn Greenwald, por divulgar uma informação de interesse público.
O enunciador lida com o humor para conquistar e despertar o interesse do enunciatário. Como ressaltado por Santos e Rossetti (2012) “O humor tem servido não apenas ao entretenimento alienado e inconsequente, mas também para fustigar as ideias estabelecidas, para criticar os modismos e para denunciar a hipocrisia”. Em tempos de um governo em que a comunicação pública foi distanciada e a comunicação comunitária foi desprezada, é nítido e compreensível o posicionamento do humorista para realizar enfáticas críticas aos defensores do radicalismo de direita, de maneira a nomear indivíduos proeminentes, como é o caso dos jornalistas citados anteriormente. Além disso, ampliando e colaborando para o teor crítico dos comentários, o programa usufrui de informações e dados que confrontam as matérias e as falas apresentadas.
Como tratado pelo humorista, ao se alinhar ao discurso dos governantes e atacar jornalistas, os profissionais da imprensa colocaram em risco ao menos duas garantias que as sociedades democráticas devem cumprir. A primeira, é a garantia de segurança física, financeira e psíquica, de modo a englobar um trabalho sem pressões políticas. O segundo, de acordo com o Art. 5 XIV da Constituição Federal de 1988, “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. No entanto, a partir do momento em que o Brasil é considerado o sexto país mais perigoso para jornalistas, a situação é piorada pelos agentes do estado e classe política, visto que há um péssimo histórico da relação entre imprensa e presidente.
O jornalismo apresenta um papel fundamental na formação da opinião pública, pois tem também uma função educativa. O “Gregnews” ao reunir as narrativas jornalística, humorística e opinativa, é capaz de informar e também, ensinar e educar a população, promovendo o senso crítico. Para Sá (2005), a obra “A crônica”, “a narrativa humorística reafirma seu objetivo de fazer o leitor recuperar sua capacidade crítica enquanto se diverte. Afinal, o aprendizado também está embutido no lúdico divertimento”. Ao utilizar o humor para tratar esse assunto – sempre tratando a veracidade da informação no limite da piada, Gregório Duvivier usufrui de uma didática ao reconstituir uma verdade, a partir de um ponto de vista, de forma a ser reforçado pela apresentação de matérias de recortes jornalísticos. No episódio, o tema central, o jornalismo, é contato pelo enunciatário de uma maneira que induz o enunciador a apresentar uma segunda visão sobre o tratado, reforçando tópicos que já não estavam na memória recente do corpo social.
“Greg News” se diferencia por sua abordagem única, combinando elementos de um programa de notícias com o uso de piadas para informar sobre política e fatos atuais. Essa combinação desafia a convenção de que programas jornalísticos devem ser estritamente sérios, enquanto o entretenimento é visto como oposto ao bom jornalismo. Assim, o programa reforça constantemente seu discurso de veracidade da informação não compactuando com um “Mercado de notícias” – e a importância dos veículos de comunicação de ser um intermediador entre os governantes e o povo, de modo a demonstrar seu compromisso em informar e educar o público por meio de uma abordagem única que une humor e jornalismo político.