Por Davi Meireles Souza
Uma das últimas frases narradas por Leon Hirszman no final do documentário Maioria Absoluta é: “Eles dão ao país a sua vida e os seus filhos, e o país o que lhes dá?”. A sentença resume o principal assunto do filme: o sofrimento de pessoas que vivem de maneira miserável e desprovida de direitos, inclusive do direito ao voto.
Hirszman é um dos principais nomes do Cinema Novo Brasileiro. Ele foi fundador do Centro Popular de Cultura da UNE e seus filmes são reconhecidos em todo mundo. Suas obras são fortes, dramáticas e buscam imprimir o sofrimento real dos seus personagens. Em Maioria Absoluta não é diferente. Quão doloroso e revoltante é sofrer diariamente e saber que não há nada a se fazer para sanar infortúnios?
O filme é um curta-metragem documental que retrata o analfabetismo. Nele, nós acompanhamos a insatisfação e a revolta de uma considerável parcela de brasileiros que, por serem analfabetos, não tinham direito ao voto. O curta é muito bem executado, ousado e estrategicamente articulado. A proposta era arriscada, sobretudo ao levarmos em conta a tensão que a democracia sofria na época do seu lançamento, em 1964, ocasião em que eclodiu a ditadura militar.
A fotografia do filme tem duas funções aparentes: ora ela é expansiva e aberta para compor o que é narrado fora da tela, ora é focada e centrada para dar destaque total aos personagens. Enquanto narrador fala, a câmera viaja por multidões e paisagens humanas.
Os personagens se dividem em dois núcleos. Primeiro, temos os personagens alienados que reproduzem discursos comuns da época; por outro lado, temos um grupo – protagonista – de personagens marginalizados e revoltados com a forma que são tratados pelo Estado e pela sociedade brasileira.
Na primeira parte do filme, introduz-se as figuras alienadas e a crítica principal do filme. Os entrevistados da classe média discorrem sobre crise brasileira e sobre como eles enxergam o povo. Aqui, a discriminação grita e a ignorância se veste de senso comum. Para muitos, os analfabetos funcionais não deveriam ter direito ao voto. Na segunda parte, prioriza-se os personagens marginalizados. Progressivamente, Hirszman traz tato e sensibilidade aos dados apresentados. Os sujeitos populares são humanizados e a tensão dramática se desenvolve.
A montagem do curta apresenta cuidado com o ritmo. A progressão narrativa cautelosa é fundamental para que o espectador entenda e sinta a dor de cada personagem. Se o filme acelerasse o ritmo, evidenciando o absurdo do real logo de começo, certamente o envolvimento não seria o mesmo.
É importante destacar que o filme não mascara a indignação dos personagens subalternizados. Eles não são indivíduos passivos, indiferentes aos fatores que degradam suas condições de vida. Os personagens exprimem vontades e necessidades que devem ser atendidas pelo Estado.
Maioria Absoluta é um espetáculo. O curta tem uma relevância ímpar ao aproximar o espectador da realidade cruel que seus protagonistas vivem. Ao mesmo tempo que estabelece um tom amargo na crítica e no posicionamento dos personagens, o filme eleva a inconformidade que inflama nossos sentimentos.
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Sensibilidade e profundidade descrevem, de forma sucinta, essa crítica. Impressionada com o nível de compromisso e dedicação que é transmitido na leitura da mesma.