Em análise o filme “EDWARD, MÃOS DE TESOURA” (1990) de Tim Burton

Por Fernanda T. Bordignon Lançado em 1990 e dirigido por Tim Burton, Edward Mãos de Tesoura é o terceiro longa do diretor e é amplamente considerado um dos mais importantes de sua carreira. Isso não é por acaso, pois o filme possui uma identidade visual marcante e uma estética fascinante, tornando-se referência para inúmeros estudos sobre direção de arte e sobre a importância da plasticidade no cinema.

Com um elenco de peso, incluindo Johnny Depp (Edward), Winona Ryder (Kim), Anthony Michael Hall (Jim), Dianne Wiest (Peg) e Vincent Price (O Inventor), o filme narra a história de Edward, que, após ser descoberto por Peg, uma gentil revendedora de cosméticos, passa a viver com sua família em uma cidade próxima. No entanto, o que inicialmente parecia uma boa ideia logo se revela muito mais complicado e cheio de desafios e provações que Edward precisa enfrentar.

Apesar de sua trama aparentemente simples, o filme impressiona por diversos aspectos. Seja pela maneira como Burton integra seus elementos característicos à narrativa, seja pela singularidade dos personagens, que são facilmente identificáveis e bem construídos. Mas muito além disso, o filme nos revela muito sobre o próprio diretor, já que Burton uma vez comentou que o personagem de Edward foi inspirado nele mesmo, já que sempre se sentiu isolado e diferente das pessoas ao seu redor. Desde a infância, ele relata que era visto como um menino peculiar, que brincava sozinho e tinha interesse por histórias macabras. Em meio a essa solidão, seu fascínio por filmes “B” dos anos 50 e pelos clássicos expressionistas cresceu, e sua identificação com o mundo sombrio e cheio de monstros moldou sua principal característica cinematográfica.

O castelo de Edward é escuro, com janelas e portas retorcidas e corredores confusos, evocando um estilo fantasmagórico à la Nosferatu e nos remetendo aos filmes expressionistas de Robert Wiene da década de 1920. A relação entre Edward e seu inventor também nos lembra da relação entre Victor Frankenstein e seu monstro, mas indo muito além da simples ideia de “criador e monstro” e se assemelhando mais a uma relação de “pai e filho”.

O visual de Edward também carrega várias referências. Uma das mais aparentes é o personagem Cesare, de O Gabinete do Dr. Caligari (1920), considerado o primeiro filme expressionista alemão. As roupas pretas justas, o andar peculiar e a maquiagem pálida com olheiras profundas remetem muito a Cesare, embora Edward não compartilhe de sua personalidade violenta. Pelo contrário, sua inocência e bondade despertam empatia no público.

A marcante diferença entre a cidade e o mundo de Edward é outra questão relevante. A discrepância visual entre os dois ambientes foi propositalmente pensada por Burton para enfatizar o não pertencimento de Edward ao mundo de Peg. Enquanto Edward vive em um mundo expressionista, onde luzes e sombras fazem parte de seu cotidiano, Peg reside em um lugar padronizado, com casas, carros e jardins todos iguais, sem individualidade. Nesse mundo não há sombras, nem a cor preta. Quando Edward entra nesse cenário, é imediatamente claro que ele não pertence ali, com sua aparência única contrastando com a monotonia ao redor. Essa diferença visual também reflete o comportamento das pessoas da cidade, que o tratam como uma atração nova e não como um ser humano.

A importância de Edward Mãos de Tesoura vai além de sua estética. O filme nos traz a mensagem de que, mesmo que alguém tenha muitas qualidades, se não se encaixar nos padrões definidos pela sociedade, será visto como estranho e tratado de maneira diferente. A história nos lembra o valor de ser único e autêntico, destacando como a individualidade pode ser muito mais interessante do que a conformidade.

Assim, Edward Mãos de Tesoura não é apenas uma “fábula moderna” com toques sombrios, mas também uma crítica profunda às expectativas e padrões sociais que frequentemente excluem o que é diferente. Através de sua narrativa comovente e visual impressionante, o filme de Tim Burton nos convida a refletir sobre a empatia, a aceitação e o valor da singularidade. O personagem de Edward, com sua sensibilidade e vulnerabilidade, se torna um símbolo da beleza que existe na diferença, deixando uma marca duradoura tanto no cinema quanto no imaginário de seus espectadores.

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