Crítica do filme A Caça: Um retrato da Pós-verdade

Por Lucas de Andrade

Dirigido pelo renomado diretor Thomas Vinterberg, fundador do movimento Dogma 95 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2021, o filme A Caça (2012) retrata muito bem como as pessoas podem ser facilmente levadas a crer em informações falsas por deixarem os aspectos emocionais e crenças pessoais falarem mais alto que os fatos. No filme dinamarquês, a vida de um professor infantil é atormentada após ele ser injustamente acusado de praticar pedofilia

Essa não foi a primeira vez que o diretor concebeu um filme sobre o abuso infantil. Em seu aclamado Festen (1998) (em português, Festa de Família), Vinterberg retrata o clima tenso de uma festa de família em que um filho denuncia o abuso sofrido por ele e pelos irmãos durante a infância pelas mãos do pai. Com o enredo chocante e a estética peculiar, gravada inteiramente em câmeras DV, a obra venceu o Prêmio do Juri do festival de Cannes em 1998, consagrando Vinterberg no cenário do cinema internacional.

Após a repercussão do Festen, o diretor teve a ideia de fazer um roteiro antitético ao seu filme anterior, o que deu origem a A Caça. Porém, desta vez, a trama seria conduzida pela perspectiva de uma pessoa inocente, que se vê abandonada, isolada. Os personagens do filme se veem no conflito moral de acreditar em Lucas, o professor, ou em Klara, a aluna de cinco anos de idade que falsamente acusa de professor de tê-la abusado. Os moradores da pequena cidade dinamarquesa passam, então, a punir Lucas das mais diversas formas possíveis, mesmo sem nenhum tipo de comprovação para as acusações. As supostas pureza e incorruptibilidade de uma criança valeriam mais que qualquer investigação ou prova.

Podemos traçar um paralelo entre a trama da obra e a ideia de pós-verdade, um mal da contemporaneidade. A pós-verdade diz respeito a um fenômeno que turva a opinião pública, que passa a desconsiderar informações, fatos e provas. Em contrapartida, são priorizados apelos emocionais e crenças pessoais. Em A Caça, Lucas é excluído da sociedade, impedido de comprar comida, de ir à igreja e viver sua vida normalmente na comunidade. O protagonista é atacado constantemente por moradores que, cegados pela pós-verdade, acham certo tentar fazer justiça com as próprias mãos.

O personagem Lucas é brilhantemente interpretado pelo ator Mads Mikkelsen, conhecido por fazer personagens masculinos emocionalmente fortes e frios, como na série Hannibal, nos filmes Polar (2019) e 007 Cassino Royale (2006). Em A Caça, especificamente, ator mostra que também é capaz de interpretar papeis mais frágeis e emocionalmente instáveis. O ator constrói a personalidade do protagonista drasticamente ao longo da trama, fazendo com que o espectador consiga sentir o impacto dos acontecimentos nos rumos da sua vida.

Annika Wedderkopp, que interpreta a personagem Klara, também surpreende. A frieza que a atriz imprime à criança, que continua reiterando sua mentira até o final do filme, faz com que até mesmo o espectador duvide da inocência de Lucas. Sua atuação é capaz de sugerir que algo está sendo omitido, o que amplia a tensão dramática. Wedderkopp encarna uma espécie de vilã na narrativa, responsável por toda a comoção gerada em torno de Lucas.

Outro aspecto muito marcante no filme é a cultura dinamarquesa da caça esportiva. O filme começa e termina com uma confraternização de amigos em torno da caça, que serve como simbologia para a própria trama. Lucas se converte em um alvo, e o resto da vila, em caçadores.

E, finalmente, é impossível falar sobre A Caça sem tecer comentários sobre o final da obra. Terminando em aberto, a sequência final mostra que, mesmo após provada a inocência de Lucas, alguns moradores ainda não acreditam na sua versão. O estigma de abusador infantil não se descola do personagem principal, que se torna presa de uma eterna caça. Lucas termina sua jornada sentado na sombra de uma árvore com um rifle em punho, ao lado de um buraco de bala que por pouco não tirou sua vida.

12 comentários em “Crítica do filme A Caça: Um retrato da Pós-verdade

  1. O caçador agora apesar de ter um rifles, se tornou caça. A histeria coletiva foi capaz de levar ao massacre da vida social de um professor do jardim da infância. Apesar de ser aceito pela escola e ser bom em seu papel como professor de crianças do pré escolar, é visível a falta de capacidade da escola e saber lhe dá com problema, gerando um caos na pequena cidade e fazendo julgamentos em provas frágeis. O. Filme em si faz o espectador se tornar membro da comunidade e também fazer seu julgamento, um infeliz julgamento. A obra se encaixa em cinema cult, sendo profundo, polêmico, cheio rastros que foram deixados propositalmente na cenas. Sendo assim auto explicativo a qual não cabe um continuação da história.

  2. Por favor, deem uma continuação neste filme. Ficou muito indefinido esse final. Acredito na inocência dele, mas não teve um desfecho. Acho que poderia ter continuidade agora com ela já adulta.

  3. Eu só fico tentando entender como as pessoas não conseguem entender o final do filme. Nem tudo tem um fim esperado, ou a devida conclusão como achamos que deve ser. O mundo não é um romance que tudo acaba bem. E um dos primeiros filmes que me ensinou isso e me deixou extremamente triste, por ser pai, é o filme “O NEVOEIRO”

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