Por Maria Luiza S. Guidugli
José Mojica Marins, diretor e intérprete de Zé do Caixão, o maior ícone do terror brasileiro, já dizia que “Nós somos o país das superstições”. Em um país com um folclore tão rico e lendas urbanas locais que são passadas entre gerações (Loira do Bonfim em Belo Horizonte, a Moça do Táxi em Belém, os acontecimentos sobrenaturais no Edifício Joelma em São Paulo…), é impensável que o gênero de terror não fosse vingar no cinema nacional. Porém, apesar do grande potencial e do público interessado (o consumo de filmes hollywoodianos de terror no Brasil é alto), a produção brasileira deste gênero ainda é tímida e pouco conhecida.
O terror no cinema brasileiro sempre foi subestimado ou camuflado por outros gêneros como drama, comédia e, até mesmo, erótico – segundo Laura Cánepa, jornalista e pesquisadora de cinema, a ausência do terror no cinema nacional é uma “[…] ausência é mais historiográfica do que histórica”. O gênero só seria abertamente assumido por Mojica e por Ivan Cardoso, diretor que instituiu o “terrir”, ao mesclar terror e comédia. Um exemplo dessa desvalorização do gênero no cinema nacional é o fato de o primeiro filme brasileiro anunciado publicitariamente como terror ser “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, a estreia de Zé do Caixão em 1964 e dirigido pelo próprio Mojica, dando início a “[…] uma versão nacional desse gênero tida como uma das mais radicais e originais do planeta”, segundo Cánepa. Além deste filme, o personagem também triunfou em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (Mojica, 1967) e em outros projetos não autorais, sofrendo censura do regime militar pela violência dos filmes. O sucesso do personagem foi tão grande que Zé do Caixão atravessou fronteiras para ser chamado de “Coffin Joe” no exterior e está prestes a ganhar uma versão hollywoodiana da produtora SpectreVision, focada em thrillers e terror e que tem como um de seus fundadores o ator Elijah Wood, nosso eterno Frodo de “Senhor dos Anéis”.
Mas o terror brasileiro não se restringe apenas à obra de Mojica. Produções recentes vêm ganhando o público do gênero não só em nosso país, mas também no cenário internacional. Cánepa define os anos de 1963 a 1983 como a “era de ouro” do terror brasileiro. Quase 40 anos depois, crítica, imprensa, serviços de streaming e festivais impulsionam a visibilidade dos filmes de terror produzidos atualmente no Brasil. Dentre as produções que mais se destacam estão “Quando Eu Era Vivo” (Marco Dutra, 2014), “As Boas Maneiras” (Juliana Rojas, Marco Dutra, 2017), “A Mata Negra” (Rodrigo Aragão, 2018), “O Animal Cordial” (Gabriela Amaral Almeida, 2018), “Morto Não Fala” (Dennison Ramalho, 2018) e “Skull – A Máscara de Anhangá” (Kapel Furman, Armando Fonseca, 2020).
Porém, se há tanto potencial, por que o cinema nacional de terror (ainda) possui tanto bloqueio? Em suas análises, Cánepa disserta que nos anos 1950 houve um desprezo por parte de historiadores e críticos cinematográficos brasileiros pelo cinema de gênero (em geral), em que se buscava “[…] construir uma tradição cinematográfica genuinamente brasileira […]”. Segundo o crítico Jean-Claude Bernardet, isso isolou o cinema brasileiro das tendências internacionais – o privilégio aos aspectos autorais e a aproximação, majoritariamente, com os realizadores diminuiu “[…] consideravelmente o espaço para discussões sobre o papel dos espectadores, das relações econômicas, das convergências entre o cinema e outros meios de comunicação e da influência dos modos hegemônicos do cinema internacional sobre a produção brasileira”, escreve Cánepa.
Atualmente, os filmes de terror brasileiros, apesar da maior visibilidade possibilitada pelos fatores já mencionados acima, ainda enfrentam uma distribuição e comercialização que deixam a desejar. Um exemplo disso é o filme “As Boas Maneiras” (2017), já mencionado acima: um dos principais representantes do terror nacional contemporâneo, o filme percorreu festivais ao redor do mundo, foi indicado e venceu prêmios e recebeu aclamação da crítica, mas não obteve o mesmo sucesso no Brasil.
O resgate da história do nosso Cinema se mostra urgente, não apenas para uma maior projeção do gênero de terror, mas para o respeito à produção audiovisual nacional como um todo. Existe potencial, existe talento, existe qualidade e existem boas histórias. O terror brasileiro, o cinema brasileiro, vingam no exterior. Façamos com que vinguem aqui também.
“Ah, e um último favor. Se você passar pelo céu, dê meus cumprimentos aos anjos. Mas se você acabar no inferno, dê meu endereço ao diabo.” – Zé do Caixão
Um gênero esquecido, infelizmente. Mas artigos como este contribuem para o resgate da nossa memória. Parabéns!