Como “Adolescence” abre os nossos olhos para a cultura incel

Por Caroline Saraiva.

A minissérie inglesa Adolescence, da Netflix, conquistou os telespectadores e se manteve pela segunda semana seguida como a mais assistida da plataforma e a mais comentada nas mídias sociais. Com apenas quatro episódios gravados em plano-sequência (a cena é gravada sem cortes, ou seja, a câmera só para de filmar quando surgem os créditos finais), a obra de Jack Thorne discute sobre a influência da cultura incel, o uso das redes sociais, a falta de supervisão dos pais, o bullying e o medo da rejeição.

A narrativa é aparentemente tranquila de explicar. Jamie Miller (Owen Cooper), de 13 anos, é preso sob suspeita de assassinato de Katie, sua colega de classe. Ele obviamente nega. Mas a verdade não demora para chegar: no final do interrogatório é mostrado um vídeo que captura o momento em que Jamie assassina Katie. Se antes parecia que o roteiro se desenvolveria na pergunta “quem a matou”, agora a premissa é outra. Precisamos descobrir, junto com
policiais, família e uma psicóloga, o por quê isso aconteceu.

Há vários porquês que podem tentar explicar a razão de Jamie ter feito o que fez, mas quero focar especificamente em um ponto crucial que é a cultura incel inundando as redes sociais, influenciando garotos adolescentes a culparem as mulheres por tudo. A palavra incel é uma abreviação de “celibatário involuntário” (involuntary celibate) e se refere a pessoas que se descrevem como incapazes de viver um romance, embora desejem estar em uma relação. Composta majoritariamente por homens heterossexuais, há um incentivo para culpar as mulheres por sua falta de relacionamentos.

Em diversos fóruns na internet, como o Reddit, observamos esses homens afirmarem que seu “fracasso sexual” é resultado do feminismo, além de dizerem com todas as letras que as mulheres são interesseiras e oportunistas, preocupadas apenas com a aparência e o dinheiro. Apesar de ser fácil pensar que o seu filho ou o meu amigo nunca fariam parte dessa cultura, Jack Thorne nos faz questionar se isso realmente seria verdade. Afinal, Jamie não vem de
uma família disfuncional. Ele é um garoto comum que gosta de passear com os amigos, tira boas notas e desenha bem. Mas, dentro do seu quarto, lutava com sua baixa autoestima, a invisibilidade diante das garotas e o bullying sofrido na escola.

E é nisso que reside o problema. Encontrar garotos descobrindo sua masculinidade em meio a muitas vozes, em que, algumas delas repercutem a misoginia. Culpar a Katie por se sentir feio e não conseguir namorar ninguém foi a solução que Jamie achou para suas questões internas. Questões que os pais não prestavam atenção, seja por distração ou por conflito geracional.

Adolescence poderia ser facilmente um documentário da BBC ou do DW. É duro ter que encarar que essa realidade não acontece somente na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Isso acontece no Brasil, na Coreia do Sul e no Egito. Em todos esses lugares, adolescentes sofrem e cometem bullying. Em todos esses lugares, os garotos conhecem influenciadores machistas e apesar de não concordarem com o discurso misógino de cara, são frequentemente expostos a esse tipo de conteúdo nas redes sociais e chat de jogos. A pergunta que fica agora não é quem nem porquê, mas como. Como combater? Eu não sei, mas acredito que assistir a série pode ser um bom começo.

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